GAROA, CAFÉ E PEDRAS DE RIO

O trajeto para Morro Castelo guarda, por si só, deslumbre e emoção. A estrada, um antigo caminho de tropeiros feito de paralelepípedos e pedras brutas, é tanto íngreme quanto sinuosa. Margeando a rodovia, desce um córrego raso cujo acesso, ainda preservado, consiste de degraus de lenhos largos, e corrimão de corda de sisal amarrada em pequenos troncos.

O lugar é marcado pelo verde exuberante e pela diversidade de bichos com que se pode deparar cruzando uma trilha ou adentrando a mata.

Na infância, por vezes acompanhou o avô em picadas em busca de uma planta nativa usada nos banhos de descarrego. O corpo ficava leve, revigorado. O pai dizia que tudo era ciência, a seiva era sedativa e com propriedades que dilatavam os pulmões.

Quando parou finalmente em frente à antiga casa, botou logo os olhos na cumeeira destacada pelo pé direito alto e pela robustez da construção. Portas e janelas, instaladas em um recorte bruto, traziam pesados travessões por dentro.

Deslizou o olhar ao redor. O piso, em tábuas largas, desprendia um odor suave da madeira tratada e trazia ao ambiente, ares rústicos de uma época finda.

Na sala, jogados por sobre almofadas e sofás de couro, encontravam-

se todos reunidos. O falatório é intenso. Muitos anos separavam as lembranças e as realidades de todas aquelas pessoas.

Muitos abraços, alguns beijos e uns poucos apertos de mão, fizeram com que atravessasse o salão e chegasse à porta da cozinha. O calor do antigo fogão a lenha, liberava o cheiro do pão caseiro que assava a quilo para o café. Nos fundos, a porta entreaberta deixava ver o quintal e o velho cajueiro.

Pisou nos calcanhares e tirou os sapatos. Agachou e sentou-se no beiral da porta, de onde sua ansiedade contemplava todo aquele verde e o frescor trazido pela brisa.

Não conteve em sua face a alegria, deixando a mostra um sorriso tanto maroto, tanto ingênuo, enquanto lançava as meias por cima do ombro.

Arregaçou as calças até deixar os joelhos libertos para a corrida e, de braços abertos, tornou-se um enorme pião a rodar pelo quintal. Rodou tanto que teve que agarrar-se ao abraço da relva úmida para não despencar no acizentado do céu.

Virou-se e, sem se importar com a garoa fina, livrou o rosto com as mãos. Somente neste momento pôde ver o sorriso de Irma, abaixada ao seu lado e protegida por uma sombrinha colorida.

- Tudo bem? – riu-se docemente.

- Porque Irma? Porque crescemos e deixamos tudo isso para trás?

- Tudo sempre será tão seu quanto meu...

Um olhar de desdém cortou-lhe o discurso político e a fez, após um suspiro, segurar-lhe a mão.

- Conta, fala um pouco daquilo que sente falta.

Ele a olhava com ternura:

- Sinto falta do garoto que deixei no galho do cajueiro. Da menina que mantinha a cesta de vime firme ao braço...

- Das corridas de bóia – emendou Irma

- De guardar pedras redondas achadas no fundo do córrego...

- Das histórias do avô, dos banhos de mangueira...

Os sorrisos estampavam uma felicidade garimpada na memória e os olhos traziam um brilho antigo e raro, há muito esquecido. Talvez ele acreditasse que mais do que a inocência foi deixada naquele quintal. Que uma parte mais doce dele também ficou para trás, em um tempo ido, onde os sentidos vivificavam cores, aromas, sons e sabores.

A garoa apertava e os dois, deitados lado a lado, não perceberam a senhora que acenava da janela, avisando dos bolinhos e do café pronto.