Pequeno Incômodo
Na primeira hora todos dormem, serenos, enquanto o tempo parece parado e sonolento.
Na segunda hora alguns se mexem. Estrelas piscam, e o firmamento continua firme.
Na terceira hora, todos percebem que o frio aumentou. Alguns puxam cobertores e se contorcem em seus leitos.
Na quarta hora, o céu muda de tom. Não do negro para o azul, mas para o vermelho.
Na quinta hora alguns começam a acordar. Sonolentos, recusam-se a se levantarem. Poucos percebem os raios mudos que rasgam o céu.
Na sexta hora um grande estrondo faz todos acordarem sobressaltados.
Na sétima hora uma figura preenche todo o céu, gritando a todos suas intenções. Nada boas, por sinal.
Na oitava hora o povo se desespera. Chorosos, saem às ruas, tentam se esconder nas sombras. Impossível.
Na nona hora, a figura diz que não agüenta mais sofrer. O céu torna-se claro, como nunca antes apareceu.
Na décima hora os primeiros começam a morrer. Uns de medo, outros de podridão. A figura dá a todos o que todos deram a ele por toda a vida.
Na décima primeira hora os poucos restantes se matam. Não agüentam ver tais imagens. Amedrontados, dão cabo à própria vida.
Na décima segunda hora a figura, chamada Mundo, consegue respirar livremente. Acabou de se livrar de um pequeno incômodo que se instalara em seu ser, como uma farpa sumariamente arrancada de seu dedão.