I - A Imagem no Lago
- Venha, estamos quase lá. - disse com sua voz excitada e estridente. Sempre fora assim.
Suas tranças roçavam nos galhos sobressalentes das densas matas à sua volta à medida que avançavam no terreno lamacento.
- Mas Poli... já andamos bastante, eu to cansado...
Porém sabia que protestos não adiantavam quando Poliana colocava alguma idéia na cabeça. Era a pequena "cabeça de côco" da família, e gostava dela assim.
Suas pequenas sombras movendo-se rapidamente no verde morno da paisagem da chuva de verão espantava pequenos animais, que voltavam corriam para longe, protestando contra a invasão dos dois. O ar ali dentro era doce e abafado, denso e muito, muito úmido. Por estarem correndo há alguns minutos, parecia pastoso ao respirar. "Como respirar água" pensou Bruno. E não estava muito longe da verdade.
Rodelas de suor apareciam embaixo de seus braços e na gola das camisetas do acampamento, transformando o vermelho da roupa em cor de sangue coagulado.
O caminho agora se tornara um pouco mais difícil, o que exigia uma redução na marcha. Bruno mal terminara de agradecer àquele pequeno favor quando iniciaram uma série de saltos sobre coisas nodosas e retorcidas, raizes de grandes árvores e moitas de junco que beiravam um filete de água, que seguia seu caminho, vencendo com dificuldade as pedras do leito rebaixado.
- Vê? Já chegamos no riachinho. Só mais um pouco agora.
- Acho que fui picado. Droga. Como coça.
- Falei pra você passar repelente seu chato. Depois a cabeça-de-pedra sou eu né?
- Não gosto daquilo. É melequento... ei, acha que a Dona Mercedez não vai dar por nossa falta?
- Não to nem aí. Se ela falar qualquer coisa digo que estávamos passando mal por causa daquela carne estranha que teve no almoço.
- Ah, isso eu duvido. Você não tem...
- Ali!
À frente, a mata se abria em pontos dourados e eles podiam ver a redoma verde-acinzentada que cobria o lago, permeado por raios preguiçosos de final de tarde. Árvores imemoriais e imponentes, curvadas em sua sabedoria, circundavam um pequeno lago com não mais que quinze metros de diâmetro; águas escuras e aparentemente muito frias.
- Não vamos entrar aí né? - Perguntou o garoto receoso - Deve estar um gelo Poli.
- Claro que não, viemos VER uma coisa. Vem aqui.
Deram a volta pela margem viscosa e lamacenta, os tênis afundando mais da metade na terra fofa e molhada. Seguiam até um pequeno "pier" de barro que havia à direita de onde entraram. De onde estavam tinham a impressão que naquele ponto as águas escuras do lago se moviam em direção ao centro, desafiando as leis da física e parecendo uma espécie de efeito barato conseguido por Moisés em uma miniatura de Mar Vermelho. Era para aquela margem que as crianças seguiam. Um silvo grave de uma cigarra gorda e preguiçosa invadiu a clareira. O som parecia estar em slow-motion, se era possível tal comparação; como se carregasse um aviso, um grito desesperado de alerta para o que os dois estavam prestes a fazer.
Continua...