Greve dos Anjos

Um buchicho angelical corria entre os revoltosos: a Greve dos Céus terminaria hoje, ao entardecer, quando São Pedro largasse as quatro trovoadas como ponto final, cessando a desordem que o levante tinha trazido aos divinos e terrenos - encabeçado por Gabriel e Manuel, aqueles da “cúpula rebelde”. Obedecendo à ordem superior, o grupo dos cânticos tocou os dez mil sinos celestiais quando o tempo batia o fim do dia, iniciando outro completo e nu, o dia em que o céu desceria aos mortais. A primavera celeste apressou-se a enfeitar de flores anis e brancas os caminhos sagrados por onde passaria o Todo Poderoso, trazendo em companhia a aurora sagrada dos demais. As nuvens carregadas trataram de aliviar o aspecto cinzento e denso que não caberia na celebração, chorando as gotas por três inteiros dias, que da terra pareciam ser tristeza infinda e amarga do firmamento. Vendo a preparação que se fazia, Santo Antonio reuniu os novos anjos em caráter de urgência, e deu-lhes conselhos de como deveriam proceder frente ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. O céu corria às pressas, e todas as mantas foram enviadas à grandiosa lavanderia celeste, para que voltassem em pureza impecável, de brancura admirável que olhos nenhum poderiam prever. A oficina encheu-se de auréolas torcidas a serem consertadas, outras de brilho fosco a serem polidas, e as nuvens, encarregadas de armazenar tantas delas, começaram a pesar. A Escola Musical estava numa aflição tamanha que os anjos coroinhas postaram-se a ajudar na especialização de tantos instrumentos celestiais.

Às quatro, ao entardecer, largou-se o primeiro trovão, escurecendo a cristalina vista que se tinha do céu. Pouco tempo passou, logo veio o segundo. E o terceiro. Então, o silêncio absoluto reinava imperioso na ansiedade de cada coração. Uma hora passou em espera, acompanhada de sussurros leves que se ouvia aqui e acolá, até que BUM (!!!), a quarta trovoada e o céu abriu-se numa aurora pintada, encantando os olhos de todos os presentes, fascinando até olhares dos santos lutadores. Em compasso perfeito, a divina melodia começou a soar pelas cordas finas que tinham as arpas, por buracos das flautas, pelos violinos e pianos - todos afinados então. Flores gêmeas floresceram, e o caminho abriu-se num forte rasgo de luz que trazia, nos braços, o Pai – e seu sorriso majestoso, seu olhar abençoado e tanto amor. Disse Ele aos anjos, sem precisar falar, que estivessem tão quanto falasse suas vontades, que estivessem por alegria e por amor, pela pureza dos homens e pela esperança, mas que buscassem ser sempre a verdade de seus corações.

Ie
Enviado por Ie em 21/08/2008
Código do texto: T1138413
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.