A BATALHA SANGRENTA EM SIDERONY

“--- Que lugar é esse?”

Essa deveria ser minha primeira indagação, mas não é. Não entendo o que acontece, mas me parece que estou em casa. Não estou com medo. Ao longe pareço ouvir gritos e gemidos de dor, mas o que mais me chama atenção e o clamor do aço chocando com aço, meu sangue ferve e meu corpo clama pela batalha. Eu corro para a batalha.

Se eu estivesse em sã consciência eu não faria isso, mas não estou. Quero me banhar em sangue e suor eu vou lutar! Corro em direção da batalha tentando por minha mente em ordem, sei que não devia matar ninguém, não posso e não quero fazer isso, mas não entendo a minha necessidade.

Ao fervor da batalha meu espírito parece elevar-se. Ao meu lado um garoto de pouco mais de quinze anos parece estar contente com a minha chegada, não sei porque mas isso me enche de orgulho. Se destacando dos demais lutadores, quatro guerreiros lutam em incrível sincronia. Nunca tinha visto nada igual.

A luta termina, nós somos os vencedores. Enquanto os guerreiros gritam nossa vitória eu me sinto combalido a rezar. Aqui houve morte, um massacre e eu participei, não que não tivesse gostado, mas algo em minha alma me diz que é errado matar o próximo. Os quatro guerreiros e o garoto ainda me olhavam enquanto eu me ajoelhava para fazer minha oração de perdão, mas assim que levantei minha cabeça percebi que eles estavam distantes. Eu estava só no campo de batalha, sozinho entre os mortos.

Não demorou muito até que um rapaz apareceu para recolher as armas dos mortos. Assim que me viu ele ficou sorrateiro e desconfiado, mas logo chamou minha atenção.

--- Bravo guerreiro, porque ainda estas aqui. O senhor não irá festejar? – perguntou o garoto franzino.

--- Festejar o que? – indaguei orgulhoso. --- As mortes aqui ocorridas? – continuei amargurado.

--- Não senhor, mas a nossa primeira vitória desde a partida do Guerreiro Lobo. – respondeu orgulhoso e confiante.

--- Posso até ir festejar, mas antes preciso me banhar... – respondi e ele me olhou desconfiado. --- Preciso tirar o cheiro de sangue da minha batina... – olhei minhas vestimentas e não entendi porque as chamei de batina.

Acuado o garoto me mostrou um riacho mais além. Sem dizer nada eu segui até ele e pela primeira vez no dia percebi que não pertencia aquele lugar. Não era para que eu lutasse, não era para que eu matasse ninguém. Enquanto me banhava eu me sentia perdido no tempo.

--- Meu Senhor, onde estou? Porque lutei e matei insanamente? Será uma provação? – sem obter respostas vesti minhas roupas e segui para a cidade. O garoto me disse que estavam festejando e não existe outro lugar para se festejar do que uma taberna.

Ao entrar me espantei, a barulheira e a bagunça cessou, só o silêncio reinou no recinto. Os quatro guerreiros que estavam juntos, sentados numa mesma mesa e rodeados por mulheres me olhavam espantados, como se estivessem vendo um fantasma. Sem saber o que fazer tentei sair, mas o garoto me impediu.

--- Tu voltaste irmão! – sem que eu pudesse fazer nada ele me abraçou e quando me soltou pude ver que era sincera sua alegria. Os guerreiros ainda sentados a mesa falaram:

--- O que fazes de volta a Siderony, Lobo? – perguntou o que parecia ser o mais velho. Forte e barbudo ele brindou a minha saúde e os outros fizeram o mesmo.

O taberneiro me puxou pelo braço e me ofereceu cerveja e um pedaço de carne assada. Estaria eu em casa ou sonhado? Pedi a Deus que se eu estivesse dormindo que Ele zelasse por minha alma. O rapaz me levou para junto dos guerreiros e logo a cantoria começou novamente.

Eu olhava ao redor para tentar encontrar um rosto conhecido, mas nada me era revelado.

“--- Onde estou? Quem são essas pessoas que dizem ser minhas amigas? “ – novamente não obtive resposta.

Passado alguma horas uma linda garota escancarou a porta e entrou na taberna gritando meu nome (ou como eles me chamavam).

--- Lobo... Lobo! – assim que ela me avistou junto com os guerreiros ela correu em minha direção e sentou-se no meu colo me beijando a boca com imenso fervor. --- O que fazes aqui? – indagou num misto de preocupação e adoração. --- Desobedeceste as ordens da rainha? – perguntou por fim me deixando ainda mais confuso.

--- Rainha, que rainha? – percebendo minha desorientação o garoto se levantou e disse em bom tom, para que todos ouvissem.

--- Tu não sabes quem é a rainha? A maldita soberana deste reino decadente. Então irmão meu, tu perdeste a memória ou a razão. Não reconhece mais Radcelo de Bránquias, Enique de Midcod, Adleiandro de Cornéios, Nilson de Balvária, Andrus o volumoso taberneiro, Danirung a garota que juraste te amar para todo o sempre e o seu próprio irmão Caiadun? – perguntou sério olhando em meus olhos e mais uma vez o silêncio pesou. Só o soluçar da garota nos meus braços se fazia ouvir.

--- Para ser sincero com todos vocês não me lembro do meu nome, de vocês, de onde estou e nem da rainha... – respondi enquanto os presentes ficavam de bocas abertas.

Naquele momento o garoto que recolhia as armas entrou correndo na taberna, esbravejando que os soldados da rainha Claudevir atacavam uma aldeia próxima dali. Os quatro guerreiros e o garoto se levantaram e foram em direção à saída. Quando ponderei se deveria ir ou não e optei pelo sim a garota me segurou.

--- Lobo... Ainda estarei te esperando. – disse elas com os olhos turvos d’água. Sem que eu esperasse ela tirou um dos lenços de sua roupa e me entregou. --- É para te dar sorte... – amarrei o lenço no pulso e fui atrás dos guerreiros.

Me lembro de ver Enique levar uma flechada no braço esquerdo e cair, tentei ajuda-lo mas não consegui me aproximar. Em seguida acordei na sacristia de minha igreja e em meu pulso direito estava o amarrado um lenço.