UMA LUZ QUE ME ALUMIA.

Deitada aqui na minha cama, na escuridão do quarto, após esse dia dilacerante, tento relaxar, por as idéias em ordem. Apesar da fome não me animo ir até a cozinha buscar algo. Deixo-me ficar ali na escuridão do meu quarto buscando entre os sonhos e a realidade as respostas para o que me aconteceu nestes três dias.

Custo acreditar no que o médico me disse há dois dias. Custo acreditar que você partiu hoje, me deixou. Tínhamos um sonho para realizar. Lembra? O sonho dos filhos, da casa cheia de crianças. Você rindo ao imaginar minha aflição por não dar conta de tanta criança. Você costumava dizer que me ajudaria a cuidar dos pimpolhos. Por fim riamos juntos da idéia, pois sabíamos que nossas atividades impediriam de termos uma prole maior do que duas crianças e assim nos amávamos com ternura e avidez na certeza que esta seria nossa vez.

Estávamos casados há três anos, mas só agora pensávamos na vinda de uma criança. Antes nossas atividades impediam essa realização. Queríamos estar prontos, queríamos um lar para o nosso bebe e justamente agora achamos que chegou a hora.

Preciso das minhas forças, mas elas parecem que me abandonaram. Por que Senhor? Por que tinhas de me levar o meu amor? Paulo, meu amor, meu doce amigo e meu companheiro, meu amante e senhor. Não suporto a idéia de ter perdido você. Não, porque isto não é justo. Preciso das minhas forças. Sei que você conta com isto. Esteja onde estiver agora, sei que você conta que eu leve adiante nossos projetos. Você sempre foi o mais forte entre nós. Eu adorava essa idéia de ser cuidada por você.

Aqui no quarto, deitada em nossa cama, busco um refugio na escuridão. Consolo-me com as lembranças da nossa ultima noite antes de descobrirmos o que você tinha. Fazia um frio tolerável, mas eu sempre com os pés frios deixei-me esquentar por suas mãos, sempre me excitava com suas massagens porque você nunca se limitava apenas às massagens dos pés. Minha complacência inflamava sua volúpia e assim ali mesmo na sala, nos amamos feitos dois animais. Seu gozo eram os mais doces que eu podia saborear, minha lascívia era a mais quente que eu tinha pra lhe dar. Quanta paixão naquele dia! Nos amamos como nunca, parecia que nos despedíamos de algo e ao mesmo tempo deixávamos vir algo.

Não posso crer. Isto não é justo. Desde esta ultima noite lembro que você se queixou mais uma vez das dores de cabeça. Ultimamente elas estavam mais freqüentes. Teimoso como sempre não ia ao médico. A conversa era de sempre: que um bom analgésico faria tudo passar. Qual nada! as dores estavam ficando intensas e teimosas como você. Oh meu querido! Não suporto essa idéia. A idéia da sua morte. Na escuridão refaço o caminho de como poderíamos ter evitado tudo isto. Quero chorar, mas não consigo. Minha dor é dilacerante, impede que eu chore. Quero chorar.

Estou com fome, mas não me animo a sair daqui do nosso quarto. O teu cheiro ainda é forte aqui na cama e eu preciso disto pra me confortar.

Lamento meu amor, lamento por não ter dado tempo de lhe contar. No dia que você deu a entrada no Hospital com as dores de cabeça mais fortes do que das outras, eu passei mal e fui levada à outra sala. Dois dias depois com o exame nas mãos corri para o seu quarto e lhe dar a noticia de que nosso sonho estava por vir. Acreditei que esta noticia lhe traria de volta pra mim...para nós... eu e nosso filho. Não deu tempo.

Agora na escuridão do nosso quarto sinto que apesar da minha dor há uma Luz que me alumia. Esta Luz meu querido é a presença do filho que você gerou em mim naquele dia no chão da nossa sala.

Por Graça Costa

Amparo, 13 de agosto de 2008.