Milagre de Natal

No Natal o mecânico esperava por um milagre. Era enfático em suas orações quando pedia aos Reis Magos que olhassem por ele. Que mandassem uma luz que reparasse seus problemas.

Ia se casar em breve e ainda guardava segredos sobre sua vida íntima. Coisas bobas como: o mau cheiro que exalava de seu pé esquerdo todas as noites. As ásperas mãos que eram tratadas sempre antes dos encontros. As cáries escondidas que não foram corrigidas por falta de dinheiro. Tudo o atormentava. Mas o que mais o atordoava deixando-o inseguro era sua perna mecânica. O seu lado direito tinha ficado preso sob um veículo enquanto o consertava e foi preciso amputá-la. Não contou nada a Madalena até aquele.

Casamento marcado para Janeiro com preparativos indo de vento em popa. E o mecânico desesperado com tantos segredos. Temia pela noite de núpcias quando tudo se revelaria de maneira grosseira. Os amigos aconselhavam a contar tudo para a moça antes que gastassem os tubos de dinheiro e nada se concretizasse. Mas ele titubeava, não queria perder sua amada por isso nada revelava. Quem sabe para ela nada signifiquem esses segredos e o amor que ela sente por você seja tão grande que ela nem se incomode com seus problemas, diziam os amigos. Mas ele refletia, refletia, e nada fazia. Quem sabe ela tem outros defeitos e até piores que os seus e que ela também tema revelar para você, insistiam os amigos. Mas o jovem mantinha-se calado.

Até que chegou o Natal quando ele acreditava no verdadeiro milagre, e em suas orações enfáticas pediu que seus males fossem curados para que pudesse ser feliz com Madalena.

E pliiiim! Uma luz colorida se espalhou pela sala escura e ele sentindo-se estranho sentou-se na poltrona diante da árvore de Natal de onde viu tudo acontecer. A porta foi se abrindo lentamente e uma imagem difusa de um Papai Noel surgiu entrando com uma lanterna acesa na mão. O mecânico não conseguia ver seu rosto, mas acreditava no milagre de Natal e rezou em voz alta. Noel ajoelhou-se diante dele e aos poucos foi removendo a perna mecânica que o acompanhou por mais de doze anos. O rapaz rezava enfático e agradecia pelo milagre da Noite de Natal. Papai Noel então se levantou devagar segurando a prótese nas mãos e saiu pela porta deixando a lanterna no chão ao lado do nosso jovem. As preces podiam ser ouvidas ao longe.

Ali amanheceu nosso mecânico sem seu milagre e sem sua perna.

E longe já estava o ladrão de prótese.