Matintaperera*

Quem me contou esta história foi o finado compadre Rufino Guimarães, um homem de 70 anos que morava lá para as bandas da Baía do Sol, uma das mais belas praias de Mosqueiro-PA. Ele jurava que fora testemunha do que passo a narrar-lhes.

Perla era uma bela mulher, morena-clara, mãos e pés perfeitíssimos, os cabelos pretos longos; os dentes é que destoavam, parecendo amarelados. Tinha 23 anos e era órfã de mãe. Só possuía como parente o pai, seu Cardoso, que não mais casara.

Tinha um ar misterioso e seus pretentendes sabiam que ela às vezes os impressionava de modo estranho.

Os pedidos de namoro causavam-lhe revoltas; seu pai despedia os pretendentes pedindo-lhes desculpas pela forma como esses eram tratados por ela.

- Gosto de estar sozinha.

- Mas, filha, não acha que nenhum homem mereça seu amor?

- Eu já disse e torno a repetir, papai: Quero viver sozinha!

Perla foi se tornando uma pessoa amarga e até cruel: apedrejava os animais e não suportava mais a presença humana. Somente o pai procurava entendê-la, embora fosse constantemente rechaçado por ela. As pessoas estranharam a mudança de comportamento daquela mulher um dia gentil e de aparência tranqüila.

O pai passou a perceber a ausência da filha às madrugadas. Cedo, escuro ainda, levantava e saía; entrava na mata, sem que ninguém a visse; ali passava horas e horas.

Com a presença de Perla, a natureza parecia ser tomada de nova energia. A folhagem tremia agitada; ouviam-se assobios, uivos e bramidos.

Numa das madrugadas, o pai resolveu ficar acordado e segui-la. Pegou uma espingarda e partiu para o meio da mata. Como estava muito escuro, acabou perdendo-se.

Começou a cair uma chuva fina. De repente começou a ouvir uns assobios finos ao longe. Ficou com o corpo todo arrepiado, o coração começou a bater descompassadamente; percebeu que estava em perigo.

Espantou-se ao encontrar uma casa velha de madeira abandonada, de onde percebeu partirem os estranhos assobios. Parou um momento, sentiu medo e vontade de voltar, mas reuniu as últimas forças para prosseguir. Quando se aproximou, observou que havia vários buracos na parede da casa. Resolveu espiar por um deles. - O que ou quem habitava aquele lugar? - pensou ele. Nada pôde ver, estava muito escuro dentro. Mas pôde sentir o cheiro sufocante de tabaco e cachaça que exalava do ambiente.

Olhando mais atentamente, seu Cardoso viu uma rede atada e dentro dela um ser que não parecia humano; com movimentos vagarosos, tremendo muito, e com arma em punho, abriu a porta, que, por estar velha, fez barulho, fazendo com que aquele ser saísse voando em sua direção com uma mistura de grito e assobio. Assustado, ele dispara um tiro, acertando o peito daquele estranho ser que, mesmo ferido, consegue fugir.

Seu Cardoso, depois disto, retoma o longo caminho de volta. Ao se aproximar de sua casa, avista uma multidão. Corre para ver o que acontecera. Quando chega, encontra Perla morta, com um tiro no peito. O pai logo entendera o que havia acontecido.

COSTA, Lairson; Fernandes, Joseane. Contando Histórias. Belém: L & A Editora, 2004.

Lairson Costa
Enviado por Lairson Costa em 03/08/2008
Reeditado em 06/08/2008
Código do texto: T1111483
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