O quase Peregrino da Alvorada
Estavam todos reunidos em torno de uma fogueira pequena. Os rostos magros e maltratados eram fantasmagoricamente iluminados pela luz bruxuleante da chama. Eram escravos de um grande proprietário de terras, o tirano Hulishen.
Os escravos planejavam a fuga, eram em torno de vinte, os vinte corajosos que se dispuseram a fugir – outros muitos decidiram ficar, mas juraram todos não contarem nada ao senhor.
- Partiremos amanhã, com o primeiro raio da alvorada. Todos deverão acordar no meio da madrugada e prepararem os cavalos. – Dizia Kublak, o líder da operação. Iriam ao amanhecer, pois aquelas matas eram perigosas de serem percorridas de noite, com serpentes venenosas e fatais que tinha hábitos noturnos. Pela manhã era mais seguro.
Tursh ouvia ao lado, com muita atenção. Era o mais novo de todos, tinha apenas catorze anos e almejava aquela fuga tanto quanto os outros, ou ainda mais. Pois fora castigado e maltratado desde que era criancinha. Era extremamente magro, suas costelas apareciam sob a pele esticada e suja. Os olhos brilhavam, na escuridão, com a idéia da fuga. Os escravos passaram os dois meses que antecederam aquele dia planejando, confabulando, pensando, ensaiando o ato e finalmente, naquela manhã gloriosa, receberiam a recompensa da liberdade.
Estavam todos sentados, ouvindo, quando uma escrava veio correndo e disse no ouvido de Kublak:
- Homens de Hulishen estão descendo aqui. Apaguem as fogueiras e finjam que estão apenas conversando! Rápido! – a escrava voltou correndo para o seu posto de vigia, enquanto os escravos apagavam a fogueira. Alguns se deitaram e fizeram que estavam dormindo. Kublak e Tursh, assim como outros, permaneceram sentados, olhando fixamente para a porta, de onde deveriam surgir os capangas de Hulishen. No segundo seguinte, escancarou-se a entrada do alojamento precário dos escravos.
Um homem barbudo e de aparência mal-cuidada disse:
- O Senhor Hulishen deseja algum escravo jovem que posso passar as próximas noites nos aposentos do seu filho, que está doente. O garoto deverá cuidar dele e avisar caso haja alguma piora. – ninguém se manifestou... E então, Tursh com um horrível pressentimento, desejou imensamente que tivesse fingindo estar dormindo. – Ei, você! – apontou com o facão para Tursh – Vamos você deve servir! Venha, suba!
O garoto olhou para Kublak, o homem para disfarçar encarou o chão, e somente o chão. Tursh tinha no olhar um pedido desesperado, quase uma súplica para que alguém interviesse. Não houve resposta.
E então, subiu arrastando os pés descalços na grama molhada pelo sereno. Adentrou a casa com uma extrema angústia. Todo o seu sonho fora por água abaixo. E não havia nada que ele pudesse fazer, portanto se dirigiu ao quarto do doente (e desejava ardentemente que o garoto morresse aquela noite) e ficou sentado, ao lado da janela que tinha visão para o alojamento. Verificou uma ou duas vezes a noite inteira se a febre aumentara, mas o resto do tempo, ficou fitando os campos lá fora.
E como esperado, algumas horas mais tarde, quando o primeiro raio de sol da alvorada surgiu no horizonte, ele avistou alguns cavalos levando vários escravos em silêncio para a saída ao norte, onde ele sabia que ficava ao vila de refugiados. Viu aqueles escravos que teriam paz e tranqüilidade pelo resto da vida, observou principalmente Kublak, e teve a impressão de que o líder olhara rapidamente para a janela, antes de sumir na estrada.
Tursh nunca mais os viu, o filho de Hulishen curou-se e viveu saudável, enquanto o pobre Tursh viveu como escravo até a velhice, quando foi libertado pelo neto de Hulishen.