A Grande Árvore
Numa época distante da nossa, da qual não se tem registros oficiais e não se sabe ao certo quando, vivia um bom povo: os anões. Eles eram seres muito hospitaleiros, gentis, caseiros e ligados às tradições. Utilizavam muito de ervas e plantas, faziam inúmeras magias com elas e as fumavam com seus cachimbos; viviam em humildes casinhas de madeira, porém bastante aconchegantes. Os anões prezavam qualidade em suas coisas e, desta forma, suas casas eram mais confortáveis do que eram grandes. Isso, porém, não os impedia de terem grandes famílias, com vários filhos, sobrinhos e netos, que viviam todos emaranhados em suas tocas. As festas eram freqüentes e, com o tamanho domínio que tinham da manipulação das plantas, ervas e da natureza, faziam muitos artifícios festivos, como bombinhas que explodiam em formas circulares e mudavam de cor, busca-pés que os jovens traquinamente soltavam atrás dos anões mais rabugentos, e bebidas dos mais diversos sabores: cervejas escuras e claras, aguardente feita a partir de ervas, refrescos com sabor de framboesa, amora, melancia e olho-de-boi, uma fruta que cultivavam em sua grande cidade, que... bem, ainda vou lhes falar dela. Por fora, o olho-de-boi assemelha-se a uma jabuticaba, grande como uma jaca, de coloração negra como a noite, e por dentro há uma massa vermelha, suculenta e carnosa. Os anciãos que hoje contam a história dos anões, seus hábitos e casas, ficam felizes, notoriamente felizes, quando falam do olho-de-boi e de como ele era gostoso, e lamentam muito por nos dias de hoje não existir mais. Como eu lhes falava, as festas deles eram esplêndidas, com banquetes que necessitavam de no mínimo duas mesas daquelas bem compridas e com sete cadeiras de cada lado para serem servidos. Tudo dos anões, com exceção dos tecidos e tigelas e copos de barro, era feito de madeira. Onde eles moravam, ela era abundante e de ótima qualidade. Para tratá-la, utilizavam óleos que eram obtidos a partir de frutas como o olho-de-boi e ervas diversas. Os anões realmente eram um povo que dominava o trabalho da madeira. Ah! Eu falei para vocês sobre como eles faziam belíssimos trabalhos em madeira? Seus móveis eram todos esculpidos dessa matéria e detalhadamente trabalhados, contendo ora representações de suas runas, que possuíam um significado simbólico que até hoje não se entende por completo, por serem muito complexos, ora referências às histórias dos povos antigos, anteriores a eles próprios. Os anões, como eu lhes disse, eram um povo ligado às tradições e não havia sequer uma criança anã que não conhecesse as histórias antigas e lendas de seus antepassados, seja porque um ancião contou, seja através de canções. Na grande árvore - que é onde eles moravam - habitaram anões por muito tempo, em épocas anteriores a esses de quem vos falo. Mas essa é uma história para outro momento. A grande árvore era um lugar absolutamente magnífico. Se vocês ao menos pudessem ver, tremeriam ante a imensidão e a potência Dela. Seu tronco era gigantesco. Duzentos de nós enfileirados não seríamos suficientes para contorná-lo, imaginem vocês. A partir dele, nasciam um pouco mais de uma dúzia de galhos, chamados pelos anões de originários. Eram os galhos mais grossos - e, acreditem-me, eles eram realmente grossos - da grande árvore e eram deles que surgiam todos os outros menores. Os outros galhos, mesmo que menores, eram grossos o suficiente para serem considerados ruas, e era nesses galhos que morava a maioria dos anões. Algumas casas eram construídas em galhos verticais, e ligavam-se com os galhos horizontais através de pontes que eles contruíam. Os anões viviam há tanto tempo na grande árvore que já conheciam os galhos de cor e salteado. Na verdade, eles até sistematizaram os caminhos que se podia tomar, dando nomes às ruas e viviam andando de um lado para o outro, conversando com os vizinhos, brincando nos galhos, correndo e se aventurando por onde não conheciam ainda. Para eu ou você, que somos acostumados com chão de azulejo, liso e regular, seria quase impossível andar com a facilidade que eles andavam. Mas os anões tinham uma capacidade extraordinária de andarem, mesmo descalços, em terrenos irregulares e ásperos e o faziam com certa facilidade, inclusive. Assim como em qualquer cidade, a grande árvore também possuía regiões periféricas. Era nelas, em sua maioria, onde faziam certos trabalhos, como o talhamento da madeira e a obtenção de fumos a partir de fungos e ervas. Os fungos nasciam nos galhos mais finos - onde finos chega a ser engraçado, porque até os finos eram grossos -, principalmente cogumelos e o fumo deles era uma maravilha, mas boa parte do aroma era também devido à mistura que faziam com o cacau. Porém, a maioria dos cogumelos não era oriunda dos galhos, como lhes disse, mas sim de uma região mais distante: o chão onde se encontrava o grande tronco. Naquela região, apenas frestas mínimas de sol chegavam e havia muita umidade. Como vocês devem ter percebido, tudo ali era propenso ao surgimento dos fungos. Alguns anões viviam naquela parte, principalmente os que trabalhavam ali, mas nem por isso eles passavam seus dias isolados. A árvore era grande - talvez até demais - mas praticamente todos que nela habitavam se conheciam e se relacionavam. Bons tempos aqueles. Deveria ser ótimo morar na grande árvore...