Arthur & Mafalda

Arthur era diferente das outras crianças. Usava cartola, fraque e gravata borboleta. Não me pergunte o porquê. Arthur tinha uma namorada. Seu nome era Mafalda e ela também era diferente. Usava corpete, espartilho e lindos vestidos com caudas enormes.

São Paulo, década de 80, isso não era tão comum de se ver, e por isso, as outras crianças caçoavam quando os dois caminhavam juntos pelo pátio da escola primária. Contudo, em meio a provocações e piadinhas, eles pareciam imensamente felizes. Sorriam o tempo inteiro e admiravam os outros como se fossem bobos-da-corte que alegravam o seu salão de festas imaginário.

Arthur e Mafalda estavam sempre juntos. Iam ao parque do Ibirapuera, nos sábados, para ver os cisnes. E se se olhavam nos olhos, choviam pétalas de rosa e sinos tilintavam. Sempre estavam juntos. Até mesmo nos gigantescos congestionamentos na marginal Tietê, que enfrentavam pacientemente em cima de sua carruagem abóbora.

Na escola, nem os professores perdoavam a excentricidade das duas crianças, não obstante, como sempre recebiam sorrisos como resposta, ficavam desconcertados e envergonhados.

Todos caçoavam, é verdade, mas no fundo, bem lá no fundo, o que os outros sentiam era uma pontinha de inveja, que era alimentada por cada gesto, cada olhar e cada sorriso do casal.

Deu-se então que um dia, a professora do jardim dois decidiu imitá-los com o seu namorado, o diretor. No outro dia chegaram na escola de carruagem e a cauda da professora só acabou quando ela terminou de cruzar o pátio. Nesse dia as crianças não caçoaram. Pelo contrário, seus olhos brilharam maravilhados com tanta beleza e, pouco a pouco, a moda começou a se espalhar. Em poucos dias o pátio da escola tinha virado um verdadeiro salão de festas medieval. As cantigas de roda foram virando valsas e o violão do vigia foi virando violino.

Entretanto, eles, embebidos pela felicidade que acabavam de conhecer, não percebiam que aos poucos duas crianças iam afastando-se do grupo e deixando o sorriso de lado. Arthur e Mafalda, por algum motivo, haviam perdido o encanto.

Em alguns dias, todos foram voltando à velha rotina e deixando a alegria dos bailes pra lá, afinal de contas, tinham outras prioridades...

A monotonia chegou cruel, e tomou conta da vida de todos outra vez. Ninguém mais tinha boas histórias para contar no final de cada dia. Os meninos não sonhavam mais com o próximo passo de valsa que iam aprender para impressionar as meninas e as meninas não mais suspiravam à noite, ao escreverem nos seus diários. E, como toda chama ardente que um dia se apaga, acabaram esquecendo de serem felizes, de se amarem e de festejarem todos os dias como se fossem os últimos.

Então foi assim, devagarzinho, que foi sumindo, deixando de existir o que poderia se tornar uma linda história de amor com um “felizes para sempre”. De repente, os cisnes viraram pedalinhos, as rosas sumiram na garoa, os sinos fizeram beep beep e o mundo acabou. Fim.

Daniel Magalhães
Enviado por Daniel Magalhães em 21/06/2008
Código do texto: T1044873
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