A tamareira e o tamagotchi (continuação)

– Daiane, acho bom você voltar!

Daiane não dava ouvidos. Seus olhos brilhavam de um jeito diferente, como se estivessem hipnotizados. Num gesto involuntário, ela estende a pequena mão e toca levemente a casca da velha tamareira.

“Mamãe...”

O vento então renasce, zumbindo cada vez mais forte e chacoalhando os galhos da árvore. Uma atmosfera diferente se espalha pelo lugar. Todas as coisas parecem estar se distanciando, fiando mais solitárias... A menina então respira fundo e vai se ajoelhando devagarzinho até encostar a cabeça na terra fria. Tudo está girando... girando e se tornando confuso, escuro...

“Durma, querida....”

***

– Acorda, princesa, acorda!

– Ahn...? – Daiane abre os olhos e os fecha de novo.

– Acorda, está na hora de viajar.

A garota nem sequer se mexe, continua no seu sono profundo, “típico de crianças”. O pequeno pônei, já impaciente com aquela situação, faz uma complicada manobra com o pescoço e coloca a menina nas próprias costas. Feito isso, dispara numa corrida por entre os galhos verdes e dourados que por ali se espalham. Ao correr, ele canta uma divertida canção:

“Eu corro e canto, pocotó pocotó

montado no tempo, tralalá tralalá

eu canto e corro, pocotó pocotó

à frente do vento, tralalá tralalá”

O corpo de Daiane se sacode nas costas do cavalinho. Ao seu redor as luzes vão passando rapidamente, o que acaba despertando-a e causando mais confusão ainda nos seus pensamentos. Onde eu estou? Com quem eu estou? Para onde estão me levando?

Enfim, num determinado momento da travessia, o pônei pára de repente, quase atirando a menina no chão.

– Chegamos.

– Chegamos onde?

O pônei, sem dar atenção a pergunta, solta um demorado assobio que parece viajar e depois voltar para sua boca. Logo após, um enorme galho se divide em dois, abrindo uma passagem para um lugar ainda mais iluminado.

– Obrigado, Zé. – diz o pônei ao galho, que se sacode inteirinho de felicidade.

Daiane assistia a tudo aquilo bastante intrigada. Estava montada nas costas de um pônei que falava, assobiava e ainda conversava com plantas. No entanto, apesar de tudo isso, a menina não sentia medo de nada nem de ninguém. Era como se estivesse em casa...

– Quem é você, cavalinho?

– Já pode descer, se quiser.

Ao ultrapassarem a porta que havia se aberto, deparam-se com um cenário no mínimo curioso. As plantas, espalhadas preguiçosamente pelo chão, se mexem vagarosamente, de um lado para o outro, dando um efeito parecido com o das ondas do mar. Perto do teto, inúmeros vaga-lumes brincam alegremente de pega-pega, fazendo um barulho engraçado, parecido com o de risadas, que fica ecoando por todo o salão.

Daiane sorri. Está maravilhada. Começa a pensar que foi parar na terra do nunca, seu lugar preferido nas histórias que sua mãe lhe contava.

A garotinha então salta das costas do pônei. Ao tocar o chão sente-o balançar, como se tivesse pousado em cima de uma cama elástica. Ela vira-se para o “cavalinho” e mira seus olhos diretamente e diz:

– Vem brincar comigo!

– ...Posso mesmo? – o pônei parece surpreso.

Daiane pensa um pouco e por fim fala:

– Só se me disser o seu nome.

– Tamagotchi, o guardião da Tamareira.

– Que nome engraçado...

– Sabia que não devia dizer... – e o pônei fez uma cara de desapontamento.

Ela então sorri e sai correndo para perto de uns vaga-lumes que estão voando mais baixo. O pônei sorri sem jeito e vai logo seguida, saltitando alegre.

Lá eles dois brincaram e se divertiram a valer, até cansarem e se deitarem nas plantas que balançavam. No entanto, durante a brincadeira, Daiane reparou que os vaga-lumes nunca paravam, como se só soubessem fazer aquilo. A certa altura, depois de olhar muito para as lusinhas que dançavam no teto, ela resolve perguntar.

– Tata...

– Tamagotchi, o guardião da Tamareira.

– Porque os vaga-lumes não param?

– É que eles estão sob ordens da Rainha.

– Que Rainha?

Num piscar de olhos todas as luzes pararam de se mexer, as risadas cessaram e o chão parou de balançar.

– Esta Rainha. – disse uma voz vinda do fundo do salão.

Daiane se virou e viu: uma mulher alta, trajando um lindo vestido verde-claro e com um véu branco sobre o rosto, parada, apoiada sobre um cajado dourado.

– Quem é você, menina?

– Alteza – Tamagotchi adiantou-se – ela é a princesa que cuida do lado externo do palácio. Hoje é o dia da visita.

– Hum, é mesmo? Então deixe-me vê-la de mais perto. – e foi se aproximando, devagar, com uma altivez digna de uma verdadeira Rainha.

Na frente da menina ela parecia ainda mais alta. Seu vestido cintilava e refletia nos pequenos olhos de Daiane. O pônei, respeitosamente, deu dois passos para trás e cruzou as pernas de um jeito engraçado. Então a rainha foi se abaixando calmamente e, com bastante delicadeza, tocou o rosto espantado de Daiane.

– Como és linda...

Ao dizer isso, foi levantando o próprio véu elegantemente e descobrindo compassadamente a sua bela face. Logo atrás o pônei ia virando a cabeça para o outro lado. Daiane, por sua vez, a olhava fixamente, sem piscar. Depois de alguns breves segundos o véu finalmente foi tirado por completo.

Daiane a olhava, estática. A Rainha sorria gentilmente, como que esperando algum comentário. Mas a menina não esboçava qualquer reação, como se o tempo tivesse parado. Então seus pequenos olhinhos azuis piscaram e, subitamente, como a escuridão ao fugir da luz, a menina grita:

– Mamãe!

to be continued...

Daniel Magalhães
Enviado por Daniel Magalhães em 20/06/2008
Reeditado em 20/06/2008
Código do texto: T1043306
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