N’ALCOVA
ou últimos dias
Pois então, imagine você um lugar muito mais próximo de ser uma alcova, um catre, mais denso do que uma cela, uma prisão, do que uma sala de estar comum – sim como aquela de Kafka – você esta sentado em uma das dezenas de cadeiras vitorianas recostadas a enormes mesas de madeira nobre maciças, enegrecidas pelo tempo, ou mau uso, o piso todo feito em cimento com alguns pontos esburacados, as paredes são constituídas de grossas camadas de um reboco fraco e rosado, o teto é sustentado por um sem número de colunas enegrecidas pelos archotes e candeeiros espalhados pelo cômodo, mesmo com tal quantidade finita de pontos luminosos, a luz que se dissipa é demasiado fraca e insuficiente, o aposento com isso ganha ares fantasmagóricos, lagoas funéreas e cantos de paredes embebidos de sombras tétricas.
Não obstante, você não se encontra sozinho nesse antro de solidão, há a alguns metros, e uma dezena de cadeiras de você, um casal de jovens nus, sentados um de frente ao outro, sobre a mesa dois pratos fundos de alumínio enegrecido, dois copos de cobre com o mesmo aspecto sujo, dois talheres... e não há alimento. O jovem casal despido de trajes e com suas genitálias terrivelmente a mostra, são donos de corpos delicados, tísicos e amarelados, revelando nos rostos cadavéricos uma possível doença. O homem segura firmemente a colher, a mulher um garfo, leva ao prato, e, como se houvesse um ensopado ou outro alimento enche a colher e a leva suavemente a boca da jovem, o mesmo ritual faz a moça. Ficam dessa maneira por horas a fio, é possível ver balbuciarem, mesmo com pouquíssima luz, um leve e desbotado sorriso, um quê de alegria por tão abundante alimento.
Você aterrorizado com a cena só se dá conta de sua nudez, quando a sua frente se acomoda outra moça nua, amarelada e terrivelmente magra.
Flávio Mello
17/06/2008
8h