Zé Mané e a Estrelinha

Esta é a história de José Manoel, ou Zé Mané, como insistiam em chamá-lo.

Zé Mané era um sonhador e, como bom sonhador, vivia a olhar para o céu. De tanto olhar para cima caiu em diversos buracos, tropeçando no destino.

Um dia uma estrela caiu do céu bem à sua frente. Aliás, foi o Zé quem a segurou, evitando que a coitadinha se espatifasse no chão.

A pobre estrela era tão pequena e fraca que não teve forças para segurar-se no céu. Não tinha brilho algum e, pra falar a verdade, era até meio gelada.

- O que aconteceu? perguntou o Zé.

- Eu perdi a força e acho que desmaiei.

- Mas você é uma estrela, e estrelas não caem.

- Ai, Zé, eu sou um fracasso, e se não fosse por você eu seria somente uma mancha no chão. Muito obrigada!

- Não me agradeça. Recupere-se logo e volte lá pra cima.

- Não posso. Não tenho forças e, mesmo que tivesse, ninguém sentiria minha falta lá em cima. Acho que sou a menor estrela do universo. Veja, Zé, sou menor que um pássaro, não tenho brilho algum e nem calor eu produzo. Aposto até que você, que vive olhando as estrelas, nunca me viu no céu.

- É, nunca vi mesmo.

- Viu? E eu sempre vejo você, olhando para minhas irmãs, dando nome a elas. Vejo os outros meninos caçoando de você, colocando objetos no seu caminho só pra ver você tropeçar. Sabe, Zé, eu sempre quis dizer isso a você. Aqueles que se dizem seus amigos não o são. Todos os buracos dos quais eles o tiram foram cavados por eles mesmos. E você ainda os agradece por tratarem das feridas que eles mesmos causaram.

- Puxa, Estrelinha, obrigado por me contar. Eu nunca poderia imaginar uma coisa dessas. Também, como poderia, se só olho para cima. Tem dias que saio de casa com uma meia de cada par. Uma vez eu calcei tênis num pé e sapato no outro. Por isso ninguém me chama pelo meu nome, por que eu sou um "Zé Mané", mesmo. Mas eu não ligo. Afinal, se eu não estivesse olhando para cima, jamais teria salvado você.

- Isso é verdade. Mas eu também sou motivo de chacota, lá no céu. As outras estrelas vivem me gozando, dizendo que eu não pareço com elas. Eu também não ligo mais pra isso. Uma vez eu me incomodava e sofria muito. Agora eu não "dou bola" para aquelas "paspalhas".

- Estrelinha, já é tarde e eu preciso ir para casa. Você quer vir comigo para descansar?

- Quero sim! Assim poderemos conversar mais. E eu ganho tempo para recompor minhas energias.

E o Zé Mané levou a estrelinha para sua casa. A coitada era tão pequena que coube em seu bolso, entrando na casa sem que os pais do Zé percebessem a sua presença.

Em seu quarto o menino preparou um pequeno leito em uma caixa de sapatos, forrada com papel higiênico, que serviu como colchão. Colocou a estrelinha na caixa, cobrindo-a com o seu lenço. A caixa foi colocada sobre a cama, ao lado do travesseiro, para que pudesse observá-la a noite toda. O Zé só precisou escondê-la quando a mamãe e o papai vieram desejar-lhe boa noite. Conversaram até o Zé não agüentar mais, dormindo. Durante o resto da noite a estrelinha vigiou seu sono, agradecendo ao Criador por ter colocado aquele menino em seu caminho, para salvá-la.

Pela manhã, quando o Zé acordou, retomaram a prosa.

- Sabe, Estrelinha, eu estive pensando. Você pode ser a menor estrela do universo mas, para mim, é a mais importante, e o seu brilho é mais forte, e o seu calor o mais quente. Porque você não precisa ser a maior estrela para ter valor. Toda a sua força interior está oculta pela sua aparência frágil. Pode ter certeza de que as outras estrelas a invejam e zombam de você para tentar ofuscar o seu brilho. Não acredite nas estrelas que dizem: "Olhem como sou bela!" Quem tem beleza não precisa chamar a atenção dos outros para si. Mas a falsa beleza, esta sim precisa ser vista logo, porque vai acabar em breve, mostrando o que existe por dentro. E como aquelas estrelas nada têm por dentro, invejam você, que tanto tem.

- Eu pensei o mesmo de você, Zé, que parece um menino feioso e desligado. O seu amor é tão grande que conseguiu me ver, tão pequena, caindo do céu. Você não vê os obstáculos que lhe criam, nem os buracos que cavam para você cair. É porque você é incapaz de querer mal ao mais desprezível dos seres. Você sabe que aqueles que o prejudicam não devem prestar contas a você, mas ao Criador. Eu acho você o menino mais fantástico que existe neste mundo. Tenho orgulho de você.

2.

E lá foi o Zé Mané, com sua amiga Estrelinha, caminhando em direção à escola. A estrelinha, já mais forte, podia voar, embora não tivesse, ainda, forças para voltar ao céu, que era o seu lugar.

E quanto mais o Zé falava com a Estrelinha, mais se identificava com ela. E a Estrelinha também estava gostando muito do menino.

Chegaram à escola sem ver o tempo passar. Como a Estrelinha não brilhava, ficou dentro da sala de aula o tempo todo, sem que fosse percebida. Quase morreu de vontade de fazer perguntas, ou participar dos debates, mas se conteve. Seria muito difícil explicar sua presença ali. Afinal de contas, nem todos eram crédulos e puros como o Zé, que lhe salvara a vida.

Mas a Estrelinha ficou muito impressionada com a escola. Como é bom saber que os homens reúnem suas crianças para mostrar os segredos da humanidade. Talvez por isso é que eles dominam o mundo aqui de baixo. Porque transmitem o conhecimento de uns para os outros, de forma a saberem mais que os animais irracionais.

A Estrelinha ficou encantada com a aula de matemática. Como é maravilhoso que a combinação de números possa gerar outros números. Que fórmulas mágicas possam resolver todos os problemas. Por ser uma estrela, que vive no espaço infinito, a Estrelinha compreendia com facilidade os ensinamentos que ao Zé pareciam complicados.

Na aula de história a Estrelinha teve nova emoção. Este mundo tão novo e pequeno preservava em sua memória os acontecimentos mais importantes. Alguns deles ela própria assistira e ficou emocionada ao relembrar. É claro que os livros não contavam as coisas exatamente como aconteceram. Os homens têm uma necessidade muito grande de fabricar heróis e isto os leva a inventar um pouco. As proezas que qualquer um poderia realizar são supervalorizadas, se praticadas por um "herói", e desprezadas, se praticadas por uma pessoa comum.

- Será que os homens não vão aprender nunca que não precisam de mártires? - pensou. Será que não enxergam que a humanidade chegou onde está pelo esforço de cada um?

Teve vontade de perguntar à professora, mas ficou quieta, guardando para si o pensamento, Talvez as pessoas não vissem as coisas como ela, que está lá no alto, livre de envolvimento com a história.

- Puxa, Estrelinha, você ficou mesmo empolgada com a escola! dizia o Zé após a aula, no caminho de volta para casa.

- Fiquei mesmo, Zé. Lá no céu as estrelas não transmitem os seus conhecimentos assim. É por isso que vivemos milhões de anos e, às vezes, morremos sem nada saber. Quando uma estrela sabe um segredo, esconde de todos.

- Mas segredos não devem ser contados, senão deixam de ser segredos!

- É verdade, Zé. Mas você acha que as coisas boas devem ser segredos? Você acha que o conhecimento deve ser exclusividade de poucos. Por que devemos saber algo bom e esconder dos outros? Será que a felicidade diminui se for compartilhada? Eu não creio!

- Estrelinha, eu concordo com você. Mas quero que saiba que aqui na Terra as pessoas também escondem segredos. Muitos ficam ricos por conhecerem segredos. É claro que, se todo o mundo soubesse, aqueles segredos não teriam qualquer valor, embora pudessem fazer as pessoas mais felizes. Assim, a sociedade tornou-se consumista, acostumada a pagar pelo que acha que pode torná-la feliz.

- E as pessoas encontram a felicidade se pagarem por ela?

- Não, Estrelinha. A felicidade alcançada por um desejo satisfeito logo é substituída por outro desejo, e por outro, outro, outro... As pessoas nunca se satisfazem com o que têm. E existem pessoas que vivem para inventar coisas novas. Essas pessoas não permitem que você tenha um desejo realizado sem que, em pouco tempo, necessite ser complementado ou substituído. No entanto alguns homens se suicidam, apesar de toda sua fortuna, porque jamais encontraram a felicidade real.

- E que felicidade real é essa, Zé? Lá no céu não temos dinheiro e não somos uma sociedade de consumo. Mas você viu ontem, quando caí do céu, que também não sou feliz. Parece que nunca consigo realizar nada sem que as outras estrelas me critiquem. Sempre que quero fazer algo novo sou censurada, desprezada e ridicularizada. Nunca encontro um apoio. Como, então, Zé, posso ser feliz lá no céu? E como você, meu amigo, pode ser feliz aqui na Terra?

- Também não sei, Estrelinha. O que você acha de procurarmos juntos essa tal felicidade?

- Eu topo!

3.

Chegaram à casa da Marine, que era a menina mais feliz do bairro. O Zé sabia que podia confiar nela, pois era a única que o protegia quando os outros caçoavam dele. A Estrelinha confirmou isso lá do céu e também tinha muita vontade de conversar com a Marine.

- Oi Marine!

- Oi Zé!

- Eu quero te apresentar uma amiguinha.

- Quem é ela? Estuda lá na nossa escola? É alguma prima sua que veio passar uns dias na sua casa? É uma amiga de infância que você não via faz muito tempo? É alguma...

- Calma, Marine, deixa eu contar.

- Então me conta logo, que eu estou muito curiosa.

- Mas você tem que prometer que não vai contar pra ninguém.

- Tá bom. Eu prometo. Conta.

- Nem pra sua irmã.

- Eu prometo. Conta logo.

- Nem pra sua mãe.

- Zé! eu já disse que não vou contar pra ninguém. Me conta logo que já tá doendo a minha barriga de tanta curiosidade.

- Nem pro seu pai.

- Pelo amor de Deus, coooonnnttaaaaaaaaaaa.

- Tá bom eu vou contar. Eu vou contar porque confio em você. Você é a minha melhor amiga. Aliás, acho que você é a minha única amiga. Os outros não são meus amigos de verdade. Outro dia um menino me aprontou uma que você não acredita. Ele..

- Zéééééééééééé. Pára de me enrolar e conta logo da sua nova amiga.

- É mesmo. Eu já estava desviando o assunto. Bem, Marine, a minha nova amiguinha é...

- Aposto que é aquela menina sardentinha que mudou na semana passada lá no fim da rua.

- Não é ela, a minha amiga é...

- Aposto que é uma pessoa mais velha.

- Ela é mas velha mesmo. Você nem imagina quanto. A minha nova amiga é...

- Por que você diz que eu nem imagino quanto?

- Ai, Marine, é porque ela não aparenta a idade que tem, embora ela não tenha me dito quantos anos tem. A minha amiga é...

- Aposto que é a minha tia solteirona. Ela não conta a idade pra ninguém.

- Não é a sua tia, não é ninguém que você conhece. Fica quieta. Me deixa contar. A minha amiga é..

- Agora você me magoou. Não precisava gritar comigo. Não quero mais saber da sua amiga. Agora que ele tem uma nova amiga vem gritando comigo. Não precisa mais de mim.

- Desculpa Marine, eu não queria gritar com você. É que a minha amiga...

- Sou eu! - a Estrelinha entrou pela janela do quarto da Marine, de onde ouviu toda a conversa atrapalhada dos dois.

A Marine deu um grito tão alto quando viu a Estrelinha que seus pais só não ouviram porque estavam cantando num videokê novo que o papai comprou.

- Não tenha medo, Marine, sou uma estrelinha que caiu do céu. Eu fiquei muito fraquinha e não consegui me segurar. Se não fosse pelo Zé eu teria me espatifado no chão.

- É verdade, Marine. Eu estava olhando pra cima e vi aquela coisa caindo. Quando percebi que ia se quebrar se caísse no chão eu dei um pulo e consegui agarrar bem a tempo. Só então eu vi que era uma estrelinha.

A Marine não falava nada. Na verdade nem piscava. Ficou olhando para a estrelinha com o queixo caído enquanto ela e o Zé iam contando como haviam se conhecido e como estavam se tornando verdadeiros amigos. Somente depois de muito tempo foi que conseguiu dizer alguma coisa.

- Puxa! Que história incrível. Se me contassem eu não acreditaria.

- Por isso você não deve contar pra ninguém - emendou o Zé - Não devemos colocar a estrelinha em perigo antes que ela recupere as forças. Os adultos a levariam para ser pesquisada em um laboratório e a tratariam como se fosse um E.T.. Lembra daquele filme?

- Lembro. Podem ficar tranqüilos. Não vou contar nada a ninguém.

4.

- O que vocês estão fazendo aí? Ouvi um grito. Aposto que o Zé assustou a Marine. Aaaaaiiiiiiiiii! O que é essa coisa? Manhêêêê!

Era a Nadine, irmã mais velha da Marine que havia entrado no quarto correndo, antes que a estrelinha pudesse se esconder. Quando viu a estrelinha quis gritar, mas a Marine e o Zé pularam em cima dela, tapando a sua boca.

- Não grite, sussurrou a Marine. É uma estrelinha amiga. Ela caiu do céu e os adultos não podem saber dela.

O coraçãozinho da Nadine parecia que ia sair pela boca. Aqueles dois nanicos ali em cima dela não a deixavam respirar. Jogou os dois para os lados e ficou olhando para a estrelinha, que com um olhar sereno disse:

- É muito bom conhecer você, Nadine.

- Como você sabe o meu nome? - perguntou ofegante - Eles te contaram, foi?

- Não, eu já sabia, pois fico observando você lá do céu. Você gosta de ficar na janela do seu quarto olhando pra fora. Quando não tem nuvens você gosta de olhar para a lua, para as estrelas, e você fica escrevendo num livrinho, que deve ser o seu diário, ou seu caderno de poesias. Eu acho muito engraçado quando você o coloca dentro de um livro maior só pra sua mãe pensar que você está estudando.

- Nossa! Você é mesmo observadora. - disse a Nadine, já mais calma - Eu nunca pensei que alguém pudesse estar me olhando. Como você pode saber de mim? Existem tantas pessoas neste mundo.

- Os olhos das estrelas são voltados para as pessoas boas e puras de coração. Todo o céu te ilumina e nós torcemos muito por nossos amigos, que nos olham de vez em quando. Eu sou uma estrela pequena. As pessoas nem percebem que eu existo, mas eu estou lá. Meu amigo Zé me salvou, ontem, quando fiquei muito fraca e caí. Agora estamos juntos procurando a verdadeira felicidade. A Marine também. Você não quer nos ajudar a procurar?

- Claro que eu quero! - falou entusiasmada - Vou pegar minha bolsa e já volto.

Nadine foi até o seu quarto, pegou a sua bolsinha de tecido e nela colocou a mesada, um telefone celular, uma escova de cabelo e, indispensável, um belo batom. Passou pelos pais, que continuavam cantando, e avisou que ia brincar com a Marine e o Zé na rua. Os pais mal perceberam o que ela falou, de tão empolgados que estavam com o novo brinquedo.

5.

Saíram caminhando pelas ruas, conversando muito, sempre falando com alegria e felicidade, como era sempre com a Marine e a Nadine quando estavam com o Zé. De vez em quando as irmãs brigavam, mas até suas brigas eram engraçadas, pois elas ficavam inventando apelidos uma para a outra, fazendo o Zé rir muito. A estrelinha ia voando, participando da conversa e descobrindo como era bom conhecer aquelas crianças.

Resolveram ir ao parque de diversões. Compraram doces e pipoca, andaram no carrossel, no trem fantasma, na roda gigante e em vários brinquedos. A estrelinha ficou dentro da camisa do Zé para não ser vista.

De repente passaram diante de uma porta aberta. Era um canto do parque sem movimento, mas aquela porta estava aberta, quase que convidando as crianças para entrar.

- O que será que tem ali dentro? disse o Zé como se estivesse pensando em voz alta.

- Não sei - respondeu a Marine - mas se eles não trancaram a porta é porque não tem problema se a gente entrar e der uma olhada.

- Vamos lá ver! - completou a Nadine - deve ser alguma coisa legal que eles estão preparando. Talvez um brinquedo novo. Minhas amigas vão morrer de inveja quando eu lhes contar que vi os brinquedos novos antes mesmo de serem inaugurados.

- Crianças, não é prudente...

A estrelinha nem teve tempo de falar, pois os três já estavam dentro do barracão, olhando tudo e falando todos ao mesmo tempo.

Era um depósito de brinquedos e peças sobressalentes. Era ali que o pessoal do parque guardava todos os brinquedos que não estavam sendo utilizados. Havia máquinas de fliperama, bancos da roda gigante, carrinhos do trem fantasma, da montanha russa, carrinhos de choque. Havia até um carrossel completo, todo montado, que parecia que ia ser transportado logo para funcionar no parque. A Marine não se conteve e apertou o botão que liga o carrossel e eles ficaram girando por um tempo.

Depois de muito brincar lembraram da idéia da Nadine de procurar algum brinquedo novo, que ninguém conhecesse. Começaram então a procurar em todos os cantos do barracão, até que o Zé abriu uma porta e quase caiu de costas quando viu o que tinha dentro.

Era um cachorro enorme, um pitbull, com os dentes à mostra, rosnando como se não comesse há dias. As crianças começaram a correr desesperadamente, gritando o tempo todo. Estavam muito longe da saída e nem lembravam direito por onde haviam entrado, de tão grande que era o lugar. Pra piorar o Zé, que corria na frente, tropeçou numa lata e caiu. As meninas tropeçaram nele e ficaram os três embolados no chão. Quando viram o cachorro já estava ali, perto deles, pronto para atacar se voltassem a correr. Abraçaram-se os três e ficaram de olhos fechados, esperando pelas mordidas daquele monstro.

A estrelinha estava muito apertada entre os três, mas conseguiu se soltar e voar para ver direito o que estava acontecendo. Quando viu as crianças ali abraçadas, de olhos fechados, e aquele cão enorme caminhando em direção a elas como que para atacar, pensou que devia fazer alguma coisa. Mas o que poderia fazer se estava tão fraca? Parou em frente ao cachorro, mas este nem tomou conhecimento da sua existência. Continuou com olhos fixos nas crianças, que tremiam e não tinham voz nem mesmo para gritar. Aquele sentimento de impotência diante de uma tragédia foi criando no coração da estrelinha uma revolta muito grande. Sempre assistira os acontecimentos do mundo sem se envolver, mas agora via seus amigos, seus únicos e verdadeiros amigos correndo grande perigo e sem ninguém para defendê-los.

- Ninguém não. Eles têm a mim. Sou uma estrela - pensou - não posso deixar que morram assim.

A estrelinha explodiu como um flash, bem diante do nariz do cachorro, que ficou cego e com o nariz chamuscado, saindo correndo dali, tropeçando e batendo nos obstáculos, deixando o lugar uma bagunça.

As crianças, que estavam de olhos fechados, só ouviram a explosão e ouviram o cachorro se afastando. Foi quando abriram os olhos e viram o cão derrubando tudo o que havia em seu caminho para fugir dali.

- Quem foi que nos salvou? - perguntou a Nadine.

- Deve ter sido alguém do parque. Eu ouvi um tiro - disse a Marine.

- Mas cadê essa pessoa? Por que não aparece? - perguntou o Zé - Estou com muito medo. Preciso sair logo daqui!

- Me ajudem...

Ouviram a voz da estrelinha, muito fraca, vindo de cima do carrossel que estava bem longe deles.

- Estrelinha! O que você está fazendo aí? Você viu aquele cachorrão? Viu quem nos salvou? Nossa, como você está fraca! Está pior do que quando eu te conheci.

A estrelinha havia caído do carrossel, bem na mão do amigo, que já estava se acostumando a segurá-la.

- Eu vi tudo, Zé. Eu vi tudo, meu amiguinho.

- Então você foi buscar ajuda? Mas cadê o homem que atirou no cachorro? Como você fez para ele vir tão rápido?

- Não tem homem nenhum, Zé. Eu explodi diante do cachorro. Ele deve ficar sem enxergar por umas duas horas. Eu pensei que o pouquinho de energia que tinha não seria suficiente para parar aquele monstro, mas meu amor por vocês me deu uma força que eu não sabia que tinha.

- Então você nos salvou? Sua louca? Você poderia ter morrido - reclamou a Nadine, meio brava, meio agradecida e absolutamente encantada com a lealdade da nova amiga.

- Minha vida não tem importância sem vocês. Eu não podia deixar vocês morrerem. Preferia morrer junto. Se minha vida fosse perdida para salvar meus amiguinhos eu morreria feliz.

As crianças saíram dali com a estrelinha no bolso do Zé. Foram para suas casas. O Zé chegou ao seu quarto e colocou a estrelinha para descansar na caminha de caixa de sapato que havia feito para ela.

- Descanse, amiguinha. Hoje nosso dia foi muito emocionante.

6.

De repente o Zé acordou com uma luz muito forte.

- Já é dia?! – pensou – Ainda nem comecei a dormir direito...

Não era dia. Na pequena caixa de sapatos não viu a estrelinha. Aliás, nem a caixa existia. Era só um pouco de cinza, pois a caixa havia se queimado.

Olhou pela janela e teve que fechar os olhos, pois era como se o sol estivesse ao lado da casa. A estrelinha havia crescido e recuperado o brilho e o calor.

Zé Mané correu pegar uns óculos de sol e pôde ver o sorriso no rosto da amiga, agora uma gigante.

- Estrelinha! Você está tão grande!

- Pois é, meu amiguinho. Acho que agora tenho que voltar para o céu.

- Que bom! Fico feliz! Só fico triste porque me apeguei a você.

- Não fique triste Zé. Eu estarei lá em cima, sempre olhando por você.

- Tenho certeza que sim. Foi muito bom te conhecer. É muito bom saber que você estará lá em cima cuidando de mim.

- É bom saber que você está bem, Zé. Seja sempre esse menino maravilhoso que você é. Nunca deixe o mundo endurecer seu coração.

A estrela começou a crescer e, com isso, subir mais e mais. Só se ouviram suas últimas palavras:

- Dê um beijo na Nadine e na Marine.

E o Zé nunca mais tropeçou, nunca mais se distraiu. Agora ele só olha para cima para ver que, lá longe, uma estrela, a mais brilhante, pisca quando o vê.