A moça e o pássaro




Acordava todos os dias ao som de um  canto plangente que parecia vir das entranhas da terra em busca de consolação. Intrigada, dispôs-se a sair mais cedo para tentar descobrir quem era esta sofrida criatura a emitir notas tão solitárias . A manhã estava fria. Fina garoa caía sobre a cidade como chuva de cristais moídos e refrigerados.Vinham em cascatas dando um ar solene e nostálgico em tudo e em todos. Não temeu as circunstâncias adversas. Agasalhou-se bem, vestiu o macacão xadrez, sobre este o casaco de flanela marrom, pôs a  touca da mesma cor, o cachecol colorido e as botas de meio cano. Sentía-se preparada para enfrentar as maiores nevascas.Pensou em voz alta e sorriu baixinho.

Abriu a porta, uma lufada de ar gelado quase a fez desistir do seu intento. Mas era necessário descobrir o mistério que mexia com a sua alma. Caminhou a passos largos com a intenção de aquecer-se nos rápidos movimentos. O canto lhe atraía  e cada vez mais aproximava-se dela. Qual um cego que se deixa guiar pelo sentido da audição assim ela o fez. Afastando-se um pouco das ruas movimentadas achou-se à beira de um lago circundado por altas árvores copadas. Dalí vinha o canto que premiu os seus ouvidos por tanto tempo. Passo a passo, lentamente, com os olhos voltados para a copa das árvores ela se deslocava, como se estivesse a executar um bailado solitário.Subitamente percebeu no topo da mais alta árvore uma linda ave emplumada de um colorido intenso e variado. Mantinha-se ereta sobre o mais alto galho, as asas abertas como se planejasse desferir vôo a qualquer momento, os olhos nela cravados e, através do seu grande bico emitia o canto que a instigou àquele passeio. 

Perplexa ela mirava-o deixando-se embalar pelo som da melodia. À medida que o tempo passava, foi invadida por um suave torpor que a fez deitar-se sobre a relva molhada. Viu-se deslocando-se do corpo e volitando até a ave. Perto dele, no mesmo galho, mirou no fundo das suas  órbitas misteriosas, deixando-se enlaçar por um par de asas que mais parecia segmentos do arco-íris. Neste amplexo singular e único desferiram vôo rumo ao infinito. 

Enquanto a natureza festejava esta magia, em sua casa o alvoroço havia se estabelecido em torno da sua ausência. À noitinha, quando o sol se recolheu para o descanso habitual e o céu adornado de estrelas, qual manto negro bordado com diamantes, um lenhador retardatário encontrou-a derreada junto a árvore, semblante sereno, um sorriso pairando nos lábios e duas lágrimas presas nas pálpebras que teimavam em não cair. Nunca mais se ouviu o canto solitário do pássaro...

 

 


Bjs soninha
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