A tamareira e o tamagotchi

Manchester, 2003.

Desde que ela se fora, Daiane passara a perambular diariamente pelos cômodos sombrios de sua casa, tornando-se uma garotinha soturna, de olhos profundos e movimentos vagarosos. Seus passos eram hesitantes e seus pés mal deixavam o chão, arrastando a poeira cinza, que começava a tomar conta do assoalho de madeira.

O seu pai, Holmes, distante como sempre, não percebia o quão solitária a menina havia se tornado. Os imóveis que tinha de administrar tomavam todo o seu tempo disponível, que deveria ser dedicado às tarefas de pai. Mas, todas essas tarefas ele deixava por conta da babá que havia contratado, e que normalmente estava mais preocupada com a novela das cinco do que com a pobre garotinha.

Os dias passavam lentamente naquela casa. Daiane desenhava seu quarto, ia para escola, desenhava a escola, voltava para casa e desenhava tudo de novo. Tudo o que via ficava registrado no seu caderninho azul. Um dia as cores eram mais fortes, no outro mais opacas, e dessa forma ela ia construindo o seu mundo particular, que mudava o tempo inteiro, assim como a vida e o humor das pessoas que a cercavam.

Daiane acordou certo dia com um sorriso que não era de costume. Pulou da cama, correu até sua babá, puxou a sua saia e disse:

– Sabe que dia é hoje? – e seus olhinhos brilharam.

– Dia de fígado com arroz. – respondeu a babá.

A menina suspirou e o sorriso desapareceu do seu rosto, então correu para o seu quarto e mergulhou debaixo da cama, de onde não queria sair nunca mais.

Mais tarde, depois de comer o fígado com arroz, Daiane continuava com uma triste expressão estampada na sua pequena face. Ela não gostava de fígado, mas se fosse X-burger nem teria percebido a diferença. Ao sair da mesa, pegou seus lápis coloridos e, quando já ia voltando para o quarto, ouviu uma voz vinda de trás.

– Filhinha!

– Papai? – disse ela virando-se.

– Pensa que eu esqueci? – ele mostra uma caixinha vermelha – Feliz aniversário!

A menina corre de encontro do pai, pula nos seus braços e o abraça fortemente. O pai se surpreende com aquela atitude inesperada e também abraça a filha, que desanda a soluçar no seu peito.

– Porquê está chorando, filhinha?

– Eu queria a mamãe...

***

Na escola, um bolo de chocolate, refrigerantes e uma vela-mágica em forma de número sete à esperavam. Todas as crianças cantaram "parabéns á você" alegremente e deram lindos presentes a Daiane. Na volta para casa seu sorriso não saiu de seu rosto por nenhum minutinho sequer.

À noite, ao voltar para o seu quarto, viu que ele já não parecia tão sombrio quanto antes. Em cima da sua cama, entre os seus ursinhos, havia uma caixinha vermelha, ainda fechada. Daiane foi até ela, abriu-a rapidamente e de lá de dentro tirou outra caixinha, dessa vez amarela. “Que brincadeira seria aquela?”. Quase explodindo de curiosidade, rasgou a outra caixinha e de do seu interior tirou um pequeno papel dobrado. Ao abri-lo viu que se tratava de uma fotografia de uma árvore bem frondosa.

Imediatamente após ver a figura, a menina arregalou os olhos e correu até o jardim de sua casa. Ali, na sua frente, erguendo-se imponente, estava a árvore. “A árvore da mamãe...”, murmurou.

Aquela árvore, uma tamareira, era muito, muito velha. Tinha sido plantada pela avó da avó da avó de sua mãe. Alguns meses atrás, quando sua mãe se fora, a missão de cuidá-la e protegê-la tinha passado para as mãozinhas de Daiane, que de vez em quando vinha brincar ao seu redor, inventando histórias fantásticas, de princesas e bruxas, e duendes mágicos, que habitavam o interior do seu caule.

Daiane ficou olhando para a árvore, sem entender que tipo de mensagem seria aquela. Estava frio, o vento uivava baixinho, e as folhas da tamareira faziam um barulho parecido com o de um chicote. A menina começou a andar em direção a árvore. Ela passava no meio das outras plantas e nem sequer as tocava, como se todos os vegetais estivessem abrindo caminho.

Ao parar diante do caule da tamareira, viu um pequeno coração talhado na altura dos seus olhos, e nele havia escrito:

“Daiane, Melissa e August, para sempre”

Talvez essa tenha sido a última lembrança da família Holmes reunida. Aquilo fez lágrimas brotarem nos olhinhos azuis de Daiane, que continuava ali, parada. O vento continuava soprando gelado e ela ainda procurava entender o que aquilo tudo queria dizer...

to be continued...

Daniel Magalhães
Enviado por Daniel Magalhães em 16/06/2008
Reeditado em 23/07/2008
Código do texto: T1037017
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.