Paz e encanto de uma manhã

Vou serena e num doce contentamento, como acontece sempre que posso andar rua fora, sem dores.

Vou olhando, deixando que a cidade e os outros entrem em mim, às vezes sorrindo a alguém conhecido, muitas vezes surpreendida com o número de pessoas que por aqui conheço.

De facto, quando fazemos normalmente os mesmos percursos acabamos por encontrar as mesmas caras.

Sou uma mulher que gosta de passear na sua rua e de saborear uma manhã de sol.

A imagem é a imagem e afinal nunca apreendemos mais do que imagens que mudam infinitamente. Gosto mais de dizer: aqui estou eu, sabendo sempre que eu sou este infinito, nada imerso num Todo que sempre me surpreende pelo mistério ou absurdo.

Sou apenas uma mulher que usufrui o prazer de caminhar ao sol morno da manhã, na cidade em que vive e ama.

Que sabedoria consiste em compreender o modo como o mundo funciona”. Eu sei, tu sabes, e quanto mais velhos mais sabemos, que há domínios em que não controlamos nada - tais como: a vida, a saúde e o coração. .

Tiro pois as mãos das algibeiras e olho-as sofridamente. São sensíveis. Acariciam. Trabalham. São úteis. Estão funcionais, capazes, livres para as suas visíveis limitações. Mas mesmo que estivessem de todo incapazes, são as minhas mãos. Fazem parte de mim, da minha história, do meu corpo, da minha alma.

Quanta dor desnecessária! Quanto sofrimento inglório! Ó minha alma, quantas lágrimas alheias presentes nas tuas lágrimas...! E logo tu, que tanto gostas de rir...

Meu Deus, porque me destes tantos gostos?

“Gostava de gostar de gostar” dizia o Fernando Pessoa. Ah! Pobre dele.

O meu problema é outro. É bom gostar de gostar e poder esquecer aquilo que não se gosta, desde que não se caia na alienação.

A minha solidão, que só eu sinto, e sinto tanto - mais quantos são os dias que escondo as mãos nas algibeiras? Isso é só um momento? Comigo, seja no prazer da manhã de sol na esplanada da rua, ou num recanto da minha casa, está sempre uma hipótese de companhia desejável e oportuna.

No entanto, a companhia de amigos de carne e osso me é vital.

Sem o abraço, o toque físico de um amigo próximo e o toque da minha própria alma, diria que a minha vida estaria muito fria, muito vazia, muito “deformada”, mesmo anquilosada no que tem de essencial.

Mas, um pequeno nada fará toda a diferença no meu dia. Aliás, a dose semanal dos comprimidos que tomo para tentar travar a doença, não enche um dedal. Contudo uma pequena coisa pode mudar uma vida.

A minha mudou.

Por detrás das pequenas coisas é que se fazem coisas bem grandes e importantes. Por detrás das pílulas que tomo diariamente, falta a essência do viver.

Por isso, a minha Esperança, é grande e nasce comigo todas as manhãs em sonhos de vigília, dá-me a certeza que um dia, não haverá necessidade de posters e pilulas.

Obrigada