o estranho caso da lagarta Gopala

Causava profunda estranheza verificar as mudanças no comportamento de Gopala.A pequena lagarta verde deixara de ser uma entranha insaciável a devorar folhagens,cortar vegetações visçosas aumentando sua forma roliça.Virou massa preguiçosa e desajeitada.Os movimentos ondulantes e graciosos deram lugar a incansável trabalho em elaborar,com pequeninos gravetos o sinistro ataúde.

Ante as perguntas dos amigos de momentos festivos,Gopala limitava a dizer:"É preciso".Tal resposta evasiva provocava a maior perplexidade no brejo.Prenunciava a jovem criatura o próximo fim?Preparava sua roupagem de madeira para quando baixasse as profundezas?

A população assistiu ,atônita,ao dia em que Gopala,ao concluir ea estranha obra,internou-se no esquife,iniciando penosa jornada a arrastar

o pesado fardo.A lagarta,realmente,envelhecera,perdendo o seu alegre colorido.Luminosas manhãs de sol eram consumidas para superar insignificantes obstáculos.Tal fato provocava consternação geral.O sabiá embotava o canto e emitia canções de lamento a velar o triste cortejo.Gopala escalava ,a duras penas,a interminável altura do pé de laranja lima,agarrando-se , com dificuldade ,a superfície rugosa.

Foi ,então, que a dúvida abalou o determinismo heróico."Por que

devo perpetuar a velha dinastia de meus antecessores ,oferecendo

meu corpinho em sacrifício aos deuses?Qual será a intensidade da dôr que provarei?""Que sofrimento dilacerante me conduzirá á morte?Será

Ela a companheira amiga,silenciosa em meu final?"Será,em verdade ,o

inimigo traidor a cravar a daga em meu coração indefeso?"

Gopala ,relutando,refletia:"Por que não me permitir saborear a vibração que invade a todos os seres nesta unidade compartilhada?por que da triste retirada?"Como resistir a dor,a morte e a fúria dos deuses?

Contudo,Gopala sentia que a queda era inevitável.O volumoso ataúde precipitou-se , tornando todo o esfôrço da escalada em vão...

O encontro com o solo provocou a grande metamorfose.Seus ouvidos não mais ouviram a diversidade dos sons,mas a maviosa voz do silêncio.

Seus olhos minúsculos viam,apenas a luz incolor,fusão de todas as cores e matizes.O momento havia chegado em toda a sua glória...

Ascêncio , o pássaro falou:"Não vos preocupeis com a dor,com a morte e com os deuses".

"A dor mais profunda é o parto do renascimento ao mundo de um êxtase infindo" "A morte é a porta dourada que se abre a vossa frente,permitindo o grande vôo aos espaços livres".Não vos atormenteis

com a Divindade ,pois, vós sois deuses.

Gopala reuniu as mais poderosas fôrças e rompeu os grilhões de

madeira que a prendia.

A comoção foi geral quando indescritível borboleta azul alçou vôo ao infinito...

texto extraido do livro do autor:"A viagem a ilha de Saves"