PROSA MITOLÓGICA - CONTO 05 - PÍTON
PÍTON
Píton se lembra como tudo começou: estava em seu esconderijo, uma enorme caverna a pouca distância do oráculo de Gaia, quando Hera surgiu. A serpente escutou as palavras duras ditas pela enciumada esposa de Zeus com paciência, sabia ser inútil dizer não á rainha do Olimpo.
Então, mesmo contra a vontade, mas temerosa da ira da deusa, Píton saiu em perseguição á infeliz Latona, dias e noites de um cerco feroz e sem tréguas, a deusa, grávida de Zeus, não conseguia paz e tempo para colocar os frutos de seu relacionamento com o maior dos deuses no mundo.
Por onde quer que fosse Latona sempre tinha a enorme serpente a persegui-la, montanhas, lagos, rios, planícies foram vencidas na fuga desesperada, mas Píton estava sempre no encalço da fugitiva. Latona - também uma deusa - implorou que alguém a ajudasse a escapar. Tanto implorou, tão grande foi seu sofrimento que enfim suas lágrimas amoleceram o coração de Posseidon - o deus dos mares – que fez surgir uma ilha flutuante na costa grega, tendo se erguido do mar, a ilha não era fruto de Gaia, assim sendo serviu de abrigo a Latona que enfim conseguiu a paz necessária para dar á luz aos gêmeos divinos.
Tão logo nasceu Apolo, um enorme facho de luz se irradiou de seu ser, como a dizer ao mundo dos homens e também aos deuses que um grande deus acabara de nascer. Logo, ele se tornou o deus da luz, enquanto sua irmã Ártemis se transformou na virgem caçadora, que no futuro próximo iria percorrer os campos de caça da Grécia, acompanhada por um grande cortejo de ninfas, enquanto ao irmão está destinado guiar o carro de Hélios, o sol, espalhando a benfazeja luz pelo mundo.
Latona acalenta seus filhos, dá graças a Posseidon pela generosidade, o pequeno Apolo logo escuta da mãe as histórias das agruras e desventuras que perseguiram-na antes daquele momento sublime. O pequeno deus se revolta com o destino de sua mãe, e aos quatro dias de vida se lança pela terra á procura do ser que representou todo o sofrimento de Latona.
Apolo seguiu por dias o rastro do enorme réptil, decidido a não dormir ou descansar, sua ira contra Píton aumentava cada vez mais.
Sem saber que estava sendo perseguida por um deus irado e decidido, a enorme serpente se aproxima de Delfos, onde cumpre sua função de guardiã do oráculo de Gaia.
Enfim, Píton se recolhe á sua caverna e no lado de fora Apolo a espera, pronto para a vingança.
Enquanto dorme a serpente agradece o final de sua missão, a perseguição feroz a Latona nunca teria sido levado a cabo sem que Hera tivesse ameaçado o réptil. Ao invés de ódio por aquela que sempre lhe escapou - Píton está feliz por poder voltar a seu antro, ela, como todos os deuses, homens e as diversas criaturas deste mundo, sabe que os filhos de Zeus nasceram, sendo assim a sua missão está encerrada, que os deuses e deusas a deixassem em paz e resolvessem entre si suas rusgas. Píton acreditava que já tinha muito trabalho como guardiã do oráculo de Gaia, sendo assim não se preocuparia muito com o que aconteceria com deuses ou humanos fora de sua área, se perseguiu a pobre Latona foi por ter sido obrigada e não por sua vontade.
Apolo aguarda pacientemente que a criatura saia de seu esconderijo, pretende se mostrar ao monstro em todo seu esplendor e luminosidade, vai avisar a serpente que veio em sua busca especialmente para destruí-la, vingando assim todo o tormento da infeliz Latona. O dia vira noite, e enfim novo dia, Apolo está à espreita e vê o enorme réptil sair de seu esconderijo, ela segue uma trilha que a leva ao alto da colina, ali se enrodilha e fica impassível, de olho na estrada leva ao oráculo de Gaia.
O deus da luz não perde tempo, decidido se aproxima do réptil.
- Maldita seja vil criatura, contemple o sol, o céu e as coisas que te cercam pois teu fim é agora.
Píton olha assustada para o pequeno ser que a ameaça, a luz que irradia do corpo do pequeno é a melhor prova indicativa de quem tem diante de si.
- Pequeno deus, perdoai este vosso servo, apenas fiz o que fui mandado fazer!
- Demônio, perseguiste minha mãe, não lhe deste descanso, sua hora chegou.
Enquanto tenta rebater os argumentos do deus a serpente prepara o bote, mais por uma questão de auto-preservação do que propriamente pela certeza da vitória.
- Senhor, sou apenas um peão no jogo dos deuses, Hera me obrigou a isso, ameaçou-me, que poderia fazer perante a deusa suprema? Acaso teria como dizer um não à rainha do Olimpo?
- E por acaso pensou em pedir proteção a Zeus, meu pai? Por um momento pensou em trair Hera e deixar minha mãe em paz?
- E que opções eu tinha meu senhor? Por acaso seu pai veio em socorro de sua mãe? Por
acaso a protegeu da fúria da própria esposa? Não meu deus, ele não fez nada disso, deixou sua mãe tão logo conseguiu o que queria, pouco se importou com os frutos desta união. Sua mãe foi abandonada caro deus, seu pai é o único responsável por tudo o que a pobre Latona sofreu.
Enquanto fala Píton se retesa cada vez mais, o momento decisivo se aproxima.
- Não ouses falar de meu pai ou minha mãe, o que sabe tu dos desígnios dos deuses? Ficas a arrastar o ventre no chão imundo, tão sujo como é sua índole. Não passas de um capacho, um ser asqueroso não mais necessário neste mundo, o Hades terá sua alma.
Píton se lança para a frente, tentando entrelaçar o deus menino em seu aperto fatal, mas Apolo é ágil, se livra com facilidade do bote, sem perda de tempo começa a atirar suas flechas com precisão mortal, uma após a outra.
O enorme corpo do réptil se contorce de dor, o deus é implacável em sua vingança. Píton tenta escapar, voltar para seu esconderijo, a caverna está próxima, mas não há tempo para isso, Apolo continua a atirar uma seta atrás da outra, o corpo do monstro está crivado, enfim Tânatos se aproxima e ergue sua poderosa foice, cortando assim a vida de Píton.
Apolo se aproxima do cadáver do monstro com desdém.
- Apodreça vil criatura, que sua carne sirva de alimento aos vermes e carniceiros, que os ventos anunciem aos homens e deuses a minha vitória, reivindico o oráculo de Gaia para comemorar minha vitória. A partir de agora é o Oráculo de Delfos, e será dedicado a mim.
Assim se fez, o Oráculo passou a ser dedicado a Apolo.
Píton, vítima das paixões e manobras dos deuses, ou apenas um ser que cumpriu ordens de uma deusa enfurecida? A verdade é nebulosa e talvez nunca seja descoberta.