[CONTO] - Sonhos & Ilusões

A noite agradável convidava para um passeio e Thomas saiu sob a benção da lua nova. Sacou seu maço de Route66 e acendeu o cigarro de filtro branco com seu isqueiro de prata.

O luar bateu contra o pequeno dragão, feito com exclusividade para ele. A pequena chama amarela mostra seu rosto indeciso por alguns instantes.

Os olhos de um azul acinzentado procuram algo de interessante naquela paragem erma.

Seus cabelos castanhos e lisos, desfiados na altura do ombro lhe dão um ar moderno, condizente com sua profissão.

Thomas é o melhor fotógrafo de uma revista Teen Inglesa.

Suas botas chutavam o cascalho e ele tentava decidir o melhor lugar para fotografar o principal editorial de moda.

Tropeçou em algo duro e metálico.

Praguejando muito, parou para observar o obstáculo. Era um velho trilho de trem.

Levemente interessado, começou a seguir o caminho da estrada de ferro, sem saber onde iria dar. Viu ao longe um túnel decadente.

Tragou o route66 e avançou rumo aquele lugar diferente.

Niamh rodopiava. A brisa noturna tocava levemente seus cachos loiros.

Inconsciente de que o próprio corpo desponta para a fase adulta ela se porta como uma garota. Os olhos azuis profundos esquadrinham a mata cada vez mais próxima.

Normalmente evitava a floresta após o escurecer. Mas aquela noite, algo parecia puxá-la mais e mais para o interior da mata.

Ela cantava belas canções, aprendidas com as senhoras da vila.

Balança os braços e as curvas de seu corpo pequeno e magro, mas muito bem feito se destacam a cada movimento seu.

Sua camisola de algodão grosseiro lhe dá a aparência de um anjo. Apesar do medo dos pequenos seres da floresta, elfos ou fadas como sua avó lhe diz, caminha em direção a escuridão.

Ela realmente não consegue se controlar. A luz da lua cheia a atrai para cada vez mais longe de casa.

Niamh arde por dentro, sente como se estivesse sendo carregada. Como se algo estivesse para ocorrer.

O vilarejo nunca havia parecido tão longe e pequeno na sua memória.

Pouco a pouco ela se aproxima da entrada de uma caverna, muito conhecida na região.

Thomas estava muito empolgado.

Seu faro fotográfico não falhava. Aquele seria o lugar ideal.

Quando estava na boca do túnel, ouve um barulho de passos aproximando-se vagarosamente.

Normalmente fugiria. Não que fosse um covarde, apenas preservava sua própria pele.

Naquele momento, porém, sentia como se estivesse sendo sugado para dentro do túnel escuro.

Com a chama do pequeno dragão iluminando o caminho, foi cada vez mais fundo para dentro do túnel.

Neste momento divisou uma silhueta humana contra a escuridão.

Teve ímpetos de correr.

- Quem é você? – gritou Thomas.

Niamh tinha visto o rapaz pela chama próxima ao rosto, mas ficara em dúvida se ele era mesmo um humano quando viu seus cabelos compridos, tão diferentes dos homens de sua vila que os usam sempre curtos.

Também não tinha os traços rudes dos moços que ela conhece.

A moça inglesa se aproxima com a leveza de uma fada.

- Oi eu sou Niamh e quem é você? – perguntou ela suavemente.

Thomas sorriu. Seu coração batendo mais devagar.

- Eu sou Thomas. Que faz aqui no escuro? – quer saber ele.

Sem conseguir se controlar, a moça loira responde:

- Eu acho que... Esperava você...

A atração foi mútua e imediata. Ela toma o isqueiro da mão dele e este se apaga.

As bocas se colaram em um ardente beijo. Gosto de ciprestes e orvalho da noite.

Thomas sentia seus contornos virgens sob suas mãos experientes.

Os dois caem ali, fazendo amor de um modo tão urgente, tão desesperado como nunca mais fariam.

Cada gesto, cada toque era executado com uma paixão sem tamanho. Por fim ficaram deitados, exaustos, com os rostos levemente colados.

Suas bocas sussurravam juras de amor.

Niamh levantou e após vestir o surrado camisolão, tirou do pescoço o belo medalhão de prata, entregando-o a Thomas.

- A próxima vez que o encontrar saberei que é meu homem...

O rapaz inglês resolveu fazer o mesmo, entregando seu isqueiro aceso para a garota.

Avisou:

- Eu vou te procurar amanhã!

Ela caminhou suavemente pelo caminho do túnel e Thomas levantou e a seguiu de perto.

Na saída do túnel ele viu uma cachoeira que despejava suas águas límpidas na escuridão de algum rio.

Ao fundo, a fumaça de algumas chaminés de pedra, na silhueta das casas recortadas contra o céu escuro.

Niamh olhou para trás e viu pela última vez a face de seu amado na entrada da caverna.

Quando ele deu mais um passo, desvaneceu-se no ar como uma leve brisa.

Ela sorriu, pois pensou se tratar de um sonho.

Algo impossível. Ainda sentia por dentro os tremores do desejo.

A garota se virou seguindo o caminho da vila. A lua nova descendo para seu zênite.

Thomas se espantou, ao dar um passo para fora do túnel todas as casas bucólicas são substituídas por velhos armazéns em ruínas.

Niamh havia sumido.

Thomas esfregou os olhos, aquilo não podia ser real, mas era.

Ele balança a cabeça negativamente, e dá um passo atrás.

Nada mudou.

Corre para o meio do campo vazio.

- Niammmmmh – gritou para o nada.

Sua única resposta foi a voz torturada das telhas apodrecidas do armazém, que balançavam com o vento.

Horas depois ele voltou derrotado ao pequeno acampamento onde modelos esculturais e técnicos de produção estavam acampados.

Se não tivesse o medalhão apertado contra o peito, acharia que tudo não tinha passado de um sonho louco.

Não conseguiu dormir aquela noite.

No dia seguinte tirou as melhores fotos de sua carreira, captando toda a magia decadente daquele lugar.

Por alguns anos não conseguiu tirar Niamh da cabeça.

Mas pouco a pouco sua mente racional começou a desmistificar a história toda.

Thomas se envolveu com muitas mulheres, todas parecidas com a garota que conheceu no túnel, mas com nenhuma conseguiu aquele sentimento, aquela cumplicidade total.

Nunca atingiu tal grau de perfeição, tal vertigem de paixão.

Agora editor de moda de uma conhecida e elegante revista, publica um anúncio: precisa de fotos de séculos passados para uma matéria de capa.

Pretende arrasar com sua “Moda Através dos Séculos”, como ele chama o editorial.

Além dos jornalistas que fazem pesquisas sobre as roupas dos antigos habitantes da Inglaterra, ele sempre que pode dá uma mão.

Um dia, analisando fotos do começo do século, se espanta ao ver Niamh.

Aos gritos chama seus auxiliares que se aproximam espantados, pois o chefe normalmente é muito bem humorado.

- Encontrem quem mandou esta foto! Quero o nome e o telefone! – ordena ele.

- Mas chefe... A gente precisa começar o editorial! – avisa o diagramador.

Ele dá um forte soco na mesa.

- Eu quero que vocês façam isso agora!

Os rapazes somem da vistas dele, e meia hora depois Jefferson entra cautelosamente na sala.

- Está aqui... – avisa o auxiliar.

Thomas pede desculpas pela sua atitude de minutos antes e ao ficar só começa a analisar a foto.

Com uma grande lupa, tira suas dúvidas.

Realmente aquela é Niamh, sua misteriosa paixão. Procurando pelos registros da foto, descobre que ela é datada dos primeiros anos de 1900.

- Não é possível! – exclama o fotógrafo.

Fazia menos de cinco anos que ele a tinha encontrado, e sempre pensou que passara por uma experiência sobrenatural.

Agora tem certeza absoluta.

Mas como encontrar alguém separado de você por cem anos no mínimo?

Larga a agência as pressas e pega um trem rumo ao interior.

Chega lá à tardezinha, certo de que iria resolver esse mistério. No endereço indicado, um senhor idoso atende a porta.

Thomas se identifica como editor da revista e quer informações sobre a foto.

O Velho sorri.

- Ah moço, isso é coisa da minha neta... Toma o endereço dela!

O rapaz suspira.

O endereço é no centro de Londres, de onde ele saíra naquela manhã.

- Qual o nome dela?

- De quem? Minha neta? É Ann. - responde o senhor amavelmente.

Thomas se vai e o velho murmura consigo mesmo:

- E a moça da foto é minha avozinha Niamh, que Deus a tenha...

A viagem é longa e o fotógrafo fica com muitas indagações na mente.

Quando chega a metrópole, vai direto ao endereço, sem se importar com o fato de ser alta madrugada.

Chama a garota pelo interfone.

Ela atende sonolenta.

- Quem é?

- Bom... Você não me conhece pessoalmente, mas eu sou Thomas Sanders, editor e fotógrafo da New Woman... – começa a se explicar o jovem.

Após um curto período de silêncio ele se espanta ao ouvir um grito.

- Ah meu Deus! É do concurso de beleza não?! – grita a moça.

Thomas ainda tenta dizer algo, mas a garota o interrompe dizendo que vai descer em um instante.

Ele puxa os cabelos com agonia, a situação está fugindo ao seu controle.

A porta se abre. Uma garota gordinha e sardenta de faces coradas aparece.

- Thomas? – pergunta ela sorridente.

Ele sente seu estômago afundar, parece oco por dentro. Ela não é quem esperava encontrar.

Tudo não passa de uma cruel brincadeira do destino.

Logo aparece outra garota por trás da primeira e mais outra e mais outra.

Logo uma voz de fada. Uma voz que ele nunca esqueceria por nada no mundo, pergunta suavemente:

- Pediram para ele esperar?

- Não deu nem tempo! – ri a gordinha.

O céu se abre para Thomas. É sua Niamh.

Ele, que tinha ensaiado tanto, não sabe o que dizer agora.

- Você veio por causa do concurso? – a loira pergunta.

Apesar de emocionado, o inglês consegue revelar o verdadeiro motivo de sua visita.

- Eu... Eu quero saber onde você conseguiu esta foto...

A garota o observa com estranheza.

O fotógrafo fica em silêncio, cada vez mais confuso.

- É da minha família á muitos anos, mas... O que isso tem a ver com o concurso??

-... É uma longa história... Gostaria de um café? - convida ele.

Ela abre um sorriso radiante e antes de dobrarem a esquina a república de estudante inteira já comenta que ela está saindo com Thomas Sanders, o sonho de consumo de toda mulher britânica.

Entram em um pequeno café e a garota boceja, afinal não passa de cinco da manhã e os primeiros operários começam a se dirigir para as empresas.

O fotógrafo mostra o medalhão.

- Reconhece isso? – pergunta ansiosamente.

Ela dá de ombros, sorvendo um gole do café fumegante.

- É lindo, mas nunca vi.

Thomas lhe mostra a foto.

- Olhe! É o mesmo medalhão!! – aponta ele entusiasmado.

Ela olha a foto com mais atenção.

- Puxa! É mesmo! Isso foi da minha bisavó? – espanta-se a garota.

O rapaz fica assustadíssimo. Parece ter se dado conta apenas naquele momento de como a foto é antiga.

Ele fica com os olhos arregalados e em silêncio. Está cada vez mais confuso.

A jovem tira um cigarro, colocando-o no canto da boca.

Thomas está desolado, não sabe mais o que pensar. Esse encontro definitivamente não está saindo como o planejado.

A linda moça loira pisca os olhos azuis de um turquesa profundo. Parece um pouco confusa com a situação. Tira um maço de cigarros da bolsa.

Ela cobre o cigarro com a mão, pois uma leve brisa sopra dentro do pequeno café. Acende o cigarro com um belo isqueiro de prata.

Thomas ia se desculpar, porque pretendia ir embora, quando nota o isqueiro que ela põe sobre a mesa. É seu isqueiro.

Parece muito velho e usado, gasto com o passar de muitos anos, o fotógrafo olha para o objeto, ele se sente, como que solto do próprio corpo.

- Esse isqueiro era meu - sussurra olhando fixo para o objeto.

- Impossível! Isso foi da minha mãe, e antes da minha avó e... Ah! Para! – a garota percebe onde o assunto irá chegar.

Ela olha em volta, talvez alguém esteja brincando com ela.

- Case comigo Niamh. –Implora Thomas.

- Mas meu nome é Ann! Não é... – Ela ia dizer.

Quando as mãos dos se tocam, ela imediatamente percebe a bobagem que iria dizer. Ela já havia sido Niamh.

A mulher que amou um estranho e viveu setenta e cinco anos esperando o seu amor perdido.

Uma vida inteira de frustração, pois seu amor estava distante uma vida.

Esse conhecimento os toma por um instante.

Eles se beijam, chorando de felicidade, consumando um amor que o destino traçou e que foi mais forte do que os rios do destino.

Um amor que começou no momento em que o próprio Tempo de dobrou, para que este encontro fosse possível.

Um sentimento tão poderoso que quebrou as barreiras da morte, culminando neste encontro mais de cem anos depois.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 29/05/2008
Código do texto: T1010220
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