O preso poeta
Cícero andava com o rosto abaixado, as mãos algemadas por baixo da blusa suavam frias. Os fotógrafos e cinegrafistas se empurravam ao seu redor, em busca da melhor imagem possível. Policiais inúmeros, com armas pesadas andavam ao seu lado. O garoto teve seu rosto espalhado pela mídia toda, teve sua casa pichada por verdadeiros criminosos, teve seu nome destruído perante a sociedade, mas era afinal, inocente. O jovem fora condenado por um assassinato brutal, que ele, porém nunca cometeu. Sua mãe chorava desesperada, ao lado, pois sabia que o filho era inocente, ela confiava nele e o conhecia melhor do que qualquer juiz. Um garoto de apenas dezenove anos, foi jogado numa cela imunda, úmida, fétida e com ratos perambulando entre os pés descalços no chão frio. Dividia a pequena cela com mais quinze presos, que provavelmente haviam cometido crimes reais (ou não).
O primeiro mês foi terrível, como todos os outros, porém o primeiro... Foi o pior. Cícero tinha pesadelos todas as noites com o possível assassinado, era maltratado pelos outros presos, não se alimentava, e era abatido por um profunda depressão. Chorava por noites inteiras e calava-se por dias afins. O sentimento de raiva inicial foi diminuindo, e dava espaço ao sentimento de tristeza, sentia-se incapacitado de fazer algo. De família pobre, não tinha dinheiro para pagar um bom advogado, e sabia que aquele erro por parte da justiça destruiria sua vida. Nunca mais seria feliz, nunca mais poderia sorrir. E assim, passou-se o primeiro mês.
O primeiro dia de visitas chegou, sua mãe foi vê-lo. Estava extremamente magra, com olheiras profundas, um rosto cadavérico, sem vida, sem alegria, sem expressão alguma. Os olhos inchados pelas lágrimas salgadas que tanto derramou. Parecia anêmica e Cícero teve toda a certeza de que ela estava doente. Em suas reflexões posteriores, Cícero constatou que as primeiras visitas só faziam-no piorar, a imagem da sua mãe naquele estado, só o deixava mais preocupado até o próximo encontro.
E foi durante uma dessas reflexões que Cícero percebeu que os outros presos recebiam algumas encomendas quando eram visitados. Algumas vezes eram drogas, outras celulares, em outras vezes dinheiro e algumas até armas. O garoto ficou atordoado com isso, ficou aterrorizado, mas foi esse fato que o levou a ter uma idéia. Se os outros presos recebiam objetos ilícitos, por que ele não poderia suscitar uma antiga paixão e ao mesmo tempo encontrar a válvula de escape para toda aquela pressão emocional e psicológica, com um simples lápis e papel?
Foi então que Cícero pediu que sua mãe trouxesse escondido papel e lápis, pois ele iria escrever poesias.
- Poesias, Cícero? – perguntou Dona Alexandrina, a mãe de Cícero.
- Sim mãe, poesia.
Alexandrina temeu que o filho estivesse perdendo a sanidade mental, pois afinal, quem escreve poesias dentro de um presídio? Mas enfim, no mês seguinte levou o material.
Cícero então sorriu. Algo que nem ele mesmo acreditou, pois tinha certeza que nunca mais repetiria o ato. Mas acontece que em situações extremas, as coisas simples fazem a diferença. Com pouca coisa já se satisfaz um desejo.
- Obrigado mamãe! – e então a beijou.
Na primeira semana, Cícero não escreveu nada. Temia a reação dos outros presos e não tinha idéias concretas na cabeça. Mas depois começou escrevendo um punhado de versos, escreveu a primeira estrofe completa n’outro dia, e finalmente, escreveu sua primeira poesia. Era simples, é verdade, mas foi uma vitória por tê-la completado (ainda mais, sem que nenhum preso soubesse). Tomou gosto pela coisa, começou a escrever o que sentia, escreveu seus pensamentos mais profundos, escreveu o que sua alma queria dizer ao mundo. E assim, os dias na prisão se tornaram menos cinzentos, e assim ele conseguiu dar um pouco de cor e brilho à sua vida destruída.
E desta maneira foi, encontro após encontro... Dona Alexandrina sempre levava mais lápis e papel ao filho, que por sua vez, mostrava-lhe os poemas. Mas com o passar do tempo, os presos descobriram (demorou, afinal Cícero sempre escrevia durante as longas madrugadas que passava acordado), e inicialmente caçoavam dele. Com o passar do tempo, porém, batiam em Cícero, pois era uma maneira que eles encontravam para passar o tempo, e terem um pouco de diversão. Isso foi virando rotina, Cícero vivia machucado, sua mãe preocupada e novamente depressiva. Pedia ao filho que parasse de escrever poesias, mas ele nunca parou. Nenhuma pancada conseguiu desanimá-lo de escrever. Policiais por várias vezes intervinham, médicos foram chamados para cuidar do jovem (que com o passar dos anos, não era mais tão jovem), mas nenhuma atitude definitiva era tomada. Quando Cícero já completava quase uma década de pena, os presos tentaram arrancar as poesias dele, porém o garoto agarrou-se aos papéis e não os soltava, alguns foram rasgados, outros, porém, ficaram intactos, apenas sujos com o sangue dele. Ao proteger suas amadas poesias, tomou socos e chutes violentos, e um pontapé na nuca, tirou-lhe a vida. Cícero então, inocente, morreu abraçado às suas poesias. Findava naquele momento a vida de um grande poeta desconhecido.
Dona Alexandrina ao saber da notícia não suportou a tristeza, e se entupiu de remédios, que a fizeram morrer de overdose, no mesmo dia.
As poesias de Cícero (mesmo sujas de sangue e algumas rasgadas) foram recolhidas e um livro foi publicado em sua homenagem, mas infelizmente, pouquíssimas pessoas compraram, e a editora tirou-o do mercado. Foi um triste fim, mas o fim que a vida o reservou.