O PRIMEIRO DENTISTA

O primeiro dentista a gente nunca esquece. Lembro-me bem daquela manhã de outono, eu tinha quatro anos e os dentes todos estragados. Só muito tempo depois foi saber que além do problema genético, meus dentes eram frágeis por falta de cálcio e excesso de açúcar. Meu pai se vestiu, colocou o chapéu de pano, que tinha uma pena verde no lado esquerdo, encilhou o cavalo e eu subi na garupa. Tínhamos que andar uns oito quilômetros morro abaixo até chegar no vilarejo. Eu vestia um macacãozinho vermelho e carregava uma sombrinha de franjas também vermelhas, cheia de figuras de bichinhos. Era o presente do último Natal. Eu chorava copiosamente agarrada na cintura do meu pai, sobre o lombo do cavalo, que tinha um trote manso e não imaginava o meu desespero. Ninguém me deixou claro onde eu estava indo, mas pelas conversas entre meu pai e minha mãe, que eu ouvia atenta pelos cantos da casa, descobri que aquele passeio não era lazer, nem turismo. Eu não conhecia nenhum dentista, nem pela televisão, pois naquela época não tínhamos nem TV nem luz elétrica em casa, mas eu já tinha visto meus irmãos mais velhos de cara inchada, fazendo bochecho com chá de malva, por causa de dentes arrancados. A imagem do dentista estava clara na minha cabeça: um homem enorme, gordo, de papada e barriga saliente, guarda-pó branco, careca e com uma enorme torquês na mão direita.

Chegamos ao Bar e Armazém do seu Arlindo, amigo de meu pai e também meu padrinho. Ali, numa sala pintada de verde, o dentista atendia duas vezes por semana. Enquanto esperávamos a nossa vez, eu tremia sentada numa cadeira de palha. Meu pai conversava com seu Arlindo sobre negócios. Quando o dentista abriu a porta, minhas pernas amoleceram, pensei que estava morrendo. Meu pai me segurava os braços e as pernas, enquanto o "carrasco" introduzia um enorme instrumento com agulha na minha boca. O corpo todo ficou dormente e do resto não me lembro. No momento seguinte, meu pai levou-me para ver os porcos no chiqueiro do seu Arlindo. Eram enormes, vermelhos e gordos. Os meus soluços foram diminuindo e eu fui me acalmando. Depois disso, só aos sete anos fui novamente ao dentista. Mas aí foi diferente. Eu estava "preparada". Dessa vez fui com minha irmã maior, que não tinha a força de meu pai para me segurar na cadeira. Cravei os caninos nos dedos do dentista com toda a energia dos meus maxilares, depois fechei a boca e simplesmente não abri mais, até ele desistir dos meus dentes. Levantei depressa, puxando minha irmã pelo braço porta a fora.

Muitos anos depois, adolescente, voltei ao dentista por conta própria. Não chorei, não mordi seus dedos, nem fechei a boca, mas urinei na sua cadeira.