Fazendo a Barba
No cair da tarde de uma Sexta-feira, resolvi me desfazer da sisuda cara, ou rosto se o leitor preferir, em uma pequena barbearia.
Nunca havia entrado antes naquele lugar. Parecia um lugar de encontro dos amigos daquele bairro. Sempre tinha um ou dois homens sentados, conversando animadamente sobre algum assunto que eu não sabia o que era, mas julgava ser algo sobre criação de pássaros ou algo parecido, pois no local existia uma dezena de gaiolas com os pobres animaizinhos trancados. Uns diziam que era bonito o canto desses prisioneiros, para mim sempre me pareceu mais um choro que qualquer outra coisa.
Tive sorte, não havia nenhum velho mascando fumo e nenhuma ave gorgolejando em sua prisão doméstica.
Ao entrar, o homem de cabeça raspado como um ovo, sorriu mostrando uns grandes dentes amarelados, pelo fumo e álcool, eu imaginei.
---- Pois não amigo! Que vai ser? – disse ele como se ali fosse um bar ou supermercado.
----- Limpar o rosto! – tive que acrescentar antes que ele falasse algo mais – Tirar a barba!
O homem ligou a TV e colocou em um canal onde estava passando algo sobre as touradas na Espanha.
Enquanto ele pegava a lâmina e o avental para meu pescoço e colo, sentei-me na cadeira.
Pegou um pincel e lambuzou no creme que estava dentro de uma vasilha.
Eu estava prestando atenção na TV que agora mostrava um homem no centro da arena com uma espada afiada na mão direita enquanto que com a esquerda segurava um manto escarlate para chamar a atenção do touro.
A cada investida do animal o homem lhe feria com a espada. A platéia gritava histérica, como se fossem hordas vampirescas que gozavam ao ver a cor rubra do líquido vital escorrer das entranhas do pobre animal.
----- É melhor esticar as pernas e prender os pés na parte debaixo do balcão, com a ponta dos pés. É que a cadeira ás vezes desliza. Tenho que mandar arrumar.
Nem ouvi o que ele disse.
---- Meu Deus! Que ignorância! – não pude deixar de demonstrar meus sentimentos.
O homem da navalha se aproximou de mim.
---- Ah, isso aí é por que eles ainda tem coragem de falar da farra do boi. Pra ver, em todos os locais existem barbaridades, mas lá isso é diversão, aqui é coisa pra policia.
---- Mas é um absurdo! Tanto a tourada como a Farra do Boi, são idênticas! Duas demonstrações da brutalidade do ser humano. Nâo há nada de bonito nisso. Credo!!! – gritei quando ví o toureiro cravar entre as aspas do animal moribundo a enorme espada.
---- Agora não demora! – disse o barbeiro começando a passar o creme no meu rosto.
De fato não demorou. O animal caiu ao chão e ficou em estertores, agonizando ainda uns tantos minutos, até que entrou uma turma com cavalos e levaram, de arrasto o animal já sem vida.
A cena que vi na televisão preencheu a minha cabeça e comecei a imaginar um monte de coisas, enquanto alguém passava uma navalha afiadíssima pelo meu pescoço.
Ele não tinha falado da cadeira?.... o que era mesmo.... eu não tinha prestado atenção, estava ligado no programa de televisão.
De repente me dei conta de que tudo podia acontecer neste mundo de Deus.
E se de um momento para outro o barbeiro tivesse um ataque do coração, sua mão tremesse um pouco e pronto, a minha goela ia para o espaço.... credo...as cenas do boi realmente me chamaram a atenção.
Minhas pernas esticadas estavam quase adormecidas. O Serviço do barbeiro era lento, pois além de ter uma grande barba, ela era espessa e de pelos duros. O trabalho tinha de ser meticuloso e cuidadoso, pois senão minha pele se lanhava toda no rosto.
Já sentia um comichão nas pernas, mas alguma coisa, que eu não lembrava o quê me dizia para não tirar os pés de onde estavam.
O homem começou a falar e eu não prestava atenção ao que ele dizia, pois além dele falar muito rápido eu estava pensando em outras coisas.
Então de repente, sem me aperceber recolhi minhas pernas.
Escutei um grito, e ato contínuo senti uma imensa dor.
Em seguida tudo ficou escuro e ainda me lembro do sangue escorrendo.
Lembro que fiquei imaginando se era o sangue do boi..... mas não era...
O resultado de tudo é que nunca mais cortei a barba, e nem o cabelo.
Agora nem o choro dos pássaro eu posso ouvir, mas pelo menos ainda carrego o pescoço no lugar.