NOITE DE CALOR

A chave vira na fechadura e a porta se abre num rangido seco. O verão recém começou e a temperatura já beira os quarenta graus. Marta chega do escritório, tira os sapatos e as meias úmidas e untuosas de suor. O parquê range ressequido sob seus pés inchados. Água precisa de muita água gelada. Abre a torneira e um vento morno se solta do cano. Nem uma gota! A geladeira: vazia. Num canto do armário, uma barata antiga e cansada repousa as asas semi-abertas. Não tem coragem de levantar a persiana, nem de acender a lâmpada. Atira-se sobre o colchão. Fica inerte temendo que os movimentos aumentem o calor no seu corpo esfalfado. A noite chega e traz de arrasto os ruídos do Condomínio. Ouve o choro do Jerônimo: deve estar mijado e assado. Da rua, risadas do Bar da esquina, homens de calção e camisa, mulheres seminuas... Um gosto amargo na boca, saliva pastosa. Marta sente um desejo de abrir os braços e as pernas, esparramar-se sobre a cama larga e vazia, mas faz de conta que só tem meio espaço e continua imóvel, na mais absoluta languidez. Os gatos siameses da vovozinha do 610, soltam miados longos e agudos, copulando no peitoril da janela. Um filhote de morcego solta grunhidos fininhos, pendurado na caixa d’água da cobertura. Vinte e três horas! A cama range num vai-e-vem infindo. - Mais, negrinho! - Sim, meu bem. - Gostosa... Até que um uivo arrebenta a noite esclerosada, anunciando o paroxismo do gozo. "Droga, esses dois só sabem trepar”. Com os cabelos e o rosto ensopados, a garganta asfixiada, Marta pula da cama e escancarra a janela num gesto brusco. Acende um cigarro. "Se tivesse uma cerveja. Uma cerveja e um amigo!”.