Tiese, a Madalena arrependida
Marcos Barbosa
Na madrugada de 09 de maio de 2008, faltando dez minutos para as cinco da manhã, no Reino do Pau em Brasa, o Dr. Maubássi acorda lembrando-se de um sonho e não sossega até fazer os apontamentos, em seu caderno de sonhos.
Sonhou com Tiese, uma moça branca sardenta, medindo aproximadamente 1.70m de altura, devendo pesar uns 60kg, seios pequenos, cintura fina e o restante do corpo bem roliço. Ela é uma falsa magra. Aparenta uns 25 anos e no sonho ela estava usando um vestido vermelho vivo, nem fosco e nem muito brilhoso. Um semi-brilho, que no entardecer daquela ruela de paralelepípedo, refletia alguma claridade nos contornos do seu corpo. A impressão do observador é que aquele vestido, de caimento perfeito, simples, preso apenas por duas finas alças em cada ombro, era de viscose. Com certeza não era de seda.
Tiese trabalha no Parlamento e estava gozando as férias. Antes de entrar de férias, num encontro casual e comercial, deu o nº do telefone celular para o Dr. Maubássi, um senhor muito simpático, até bonito mesmo, 1.85m de altura, branco, cabelos castanho claro para ruivo e já ficando grisalho, entrando nos 52 anos de idade.
- Tiese: Olha aqui, meu Senhor, eu te passei o nº do meu telefone por engano, na capital do Pau em Brasa. Eu não costumo dar o meu telefone para qualquer um. Pode deletar o meu nº no seu celular. – Gritou estas palavras arrotando e transpirando arrogância por todos os poros. De onde estava escondida, na calçada, atrás de uma placa-cavalete de um ateliê de costura, com o celular na mão, avistava o Dr. Maubássi tomando um vinho com um velho amigo.
O Dr. Maubássi, ex-vendedor de enciclopédia, representante comercial, antigo caixeiro viajante, corretor de imóveis, professor e que entre um desemprego e outro ainda combatia a ditadura como jornalista. Era uma figura...figuraça! diziam alguns amigos... Uns com ironia, outros com sinceridade. Foi até político!!! Daqueles que nunca ganharam eleição porque discutia seus princípios morais com o eleitor, dispensando o voto, mandando votar em outro porque não queria representar aquele tipo de eleitor, preferindo perder as eleições a ser corrompido por um voto inconsciente e inconsistente. Com este argumento, ele sempre justificou suas derrotas nas campanhas eleitorais perdidas.
Um homem com esta história de vida... Um homem gentil... Que trata bem as mulheres, não poderia receber um telefonema daqueles.
Ficou atônito... Assustado mesmo e olhando fixamente para o celular. Passado o susto, comentou tudo que havia se passado com o velho amigo. Este velho amigo era um leitor assíduo de suas antigas crônicas nos jornais. Ainda continua lendo, todos os dias, os contos e poesias do Dr. Maubássi na internet.
Aqui no Reino do Pau em Brasa é assim... Um dos amigos do Dr. Maubássi é este senhor, um negrão inteligente com quem ele gosta de conversar, quando tira o dia para trabalhar naquela cidade turística. Aqui não tem preconceito racial, por ordem de sua majestade, o Rei do Pau em Brasa.
O Negrão ficou olhando para o seu escritor pacientemente, enquanto o Dr. explicava a situação e então tomou a palavra, pausadamente...
-- Eu sei quem é esta moça... Ela é minha vizinha e infelizmente é a única racista da cidade. Antes do Sr. Chegar, ela passou por aqui, de vermelho e entrou naquele ateliê de costura bem ali à nossa direita.
-- Que comportamento estranho né? O que ela pensa de mim? Quem ela pensou que eu era? O que ela queria de mim? Por que ela não quer mais?
O Dr. Maubássi fez todas estas perguntas, pensando alto. Estava à vontade com um de seus melhores amigos, sentados à mesa de um bar, com os dois copos de vinho tinto seco sobre a mesa, imprensados naquela calçada estreita, da estreita rua de paralelepípedo.
-- Eu vou falar com ela... Isso não vai ficar assim! – Se levantando, o Negrão disse resolutamente estas palavras ao velho amigo escritor.
-- Não! Não faça isto! Você vai criar um problema maior com a sua vizinha...
O Negrão não obedeceu ao apelo do amigo. Terminou de tomar o copo de vinho numa lapada, saiu firme, entrou no ateliê, chamou a branca racista de um lado e contou em poucas palavras a vida do amigo do peito, Dr. Maubássi. Ao terminar o seu breve discurso biográfico, se despediu da branquela sardenta com esta pergunta:
Você entendeu que não precisa discriminar o Dr. Maubássi por minha causa?
Saiu de alma lavada do ateliê. Psicólogo prático e conhecedor da personalidade de sua vizinha, aquele homem de boa vontade achou por bem não voltar para a mesa, onde o escritor estava triste e confuso com aquela situação. Se voltasse, pensou, impediria a oportunidade da moça se desculpar com o escritor. O Dr. Gonçalo, este era o seu nome, tinha certeza que saindo de cena ela se desculparia com o seu melhor amigo. Talvez aquela circunstância poderia mudar a situação, de tristeza para uma grande alegria. Apenas fez um gesto de despedida para o amigo e seguiu pela calçada adiante.
Não deu outra!... Quer dizer... Aconteceu exatamente o que o Dr. Gonçalo previu.
Assim que o Dr. Gonçalo dobrou a esquina, Tiese sai do Ateliê e se dirige à mesa do escritor. Sem ser notada, chega por trás e o toca suavemente, roçando as pontas dos dedos entre os ombros e o pescoço. Abaixa-se até próximo do seu ouvido e sussurra suavemente:
-- Desculpe pelo telefonema, eu não sabia quem você era. Achei que era qualquer um ... – E olhou significativamente para a cadeira onde o Dr. Gonçalo estava sentado.
-- Deixe de ser racista menina... Mas já que você está com esta carinha de Madalena arrependida, eu vou te perdoar...
Sentindo a vibração daquele corpo quente, rolou a química, como diz a gíria popular do Reino do Pau em Brasa. Também sentiu-se no direito de interpretar aquele toque nas costas como uma cantada, e aproveitou para colocar um toque de malícia na voz grave e suave. Foi levantando e sentindo que Tiese estava “preparada”, surpreendeu-a com um beijo na boca, como se fossem velhos namorados.
-- Ele: Vamos?
-- Ela: Vamos...
Às 7:31 hs da manhã o Dr. Maubássi fecha o Diário da Noite e vai para o escritório.