Os bombons
Existia numa cidade de interior pequena uma velha mulher misteriosa e vindo ninguém sabe de onde, cuja especialidade era fazer doces. Raro era o que não era uma verdadeira delícia.
Tinham muitos: abóbora, tanto a macia como em pedaços, com ou sem coco, este último, maravilhoso, uma cocada durinha por fora e mole por dentro, tamarindo, que não pode ser feito sem uma dose grande de abóbora ou chuchu, enfim, uma série deles. Todos vendidos na padaria ou na sua casa, na varanda da frente, onde foi improvisada uma doçaria.
Mesmo o seu nome era incomum. Romeira. Diziam que dona Romeira fora assim batizada em homenagem ao Padre Cícero Romão Batista, o Padim. Gravidez muito difícil, prognóstico médico tenebroso, a família rumou toda para o santuário e lá foi feito o pedido.
Padre Cícero não costuma deixar seus seguidores na esperança: que o diga o povo romeiro, que anualmente vai prestar homenagem ao Santo do Sertão. Romeira tinha vingado graças a ele, forte e cheia de vida.
Dela diziam as mais estranhas coisas. Que havia herdado de santas freiras a arte de fazer doces deliciosos; que tirava mau olhado; que arranjava bons partidos para casar, fossem homens ou mulheres. Que mais isso e mais aquilo. Não era vista como santa nem milagreira, mas tinha dons fortes. Disto ninguém poderia duvidar.
Uma das suas mais afamadas, mas pouco conhecidas do povo, só privilégio das amigas mais chegadas de dona Romeira, era os bombons do amor. Alguém encomendava um bombom, uma delícia, por sinal. Fazia com que a pessoa que o comesse se apaixonasse e tivesse aos seus pés o amor encruado. Coisa secreta, fato conhecido por poucos, os mais chegados da velha doceira.
Uma velha ajudante de Romeira, que já não trabalhava mais por causa da idade, foi até a casa da velha amiga e patroa e pediu o feito: que fosse mandado para uma sobrinha-neta sua, moça na idade de casar, um bombom do amor.
Feito e providenciado o seu envio, por um velho entregador de cartas aposentado, seguiu o bombom para o destino. Não disse ao velho carteiro qual era o conteúdo, bem guardado num embrulho de papel colorido, salpicado de margaridas. Era um segredo de comadres. Cidade pequena, no interior, é assim. Todo mundo se conhece, e brigas só existem por razões políticas.
O ainda firme no caminhar Osório, o velho carteiro, estava a caminho da casa onde o bombom deveria ser entregue. Tempo quente, e encomenda segura firme na mão do estafeta, este sentiu que o bem pequeno embrulho estava mole, não era assim como quando o recebera. Osório violou uma regra que nunca, jamais tinha feito na sua longa e honesta carreira. Por medo, abriu cuidadosamente o embrulho. De pronto viu que era um doce de chocolate, cor e cheiro eram inconfundíveis. Estava derretendo por causa do calor. Não teve coragem de voltar à casa de dona Romeira e mostrar o que tinha acontecido. “Ela deveria ter avisado que era doce”, pensou.
A padaria que os doces eram vendidos era próxima. Ele foi lá e pediu um bombom da dona Romeira. Embrulhou no mesmo papel, teve o cuidado de proteger do calor e entregou no destino certo. Guardou o que tinha apenas se derretido pouco, e levou para casa o delicioso e mágico bombom do amor, que sua neta, moça feita e bonita, comeu com muito prazer quando o viu secando na pia da cozinha.
Na pequena cidade, completamente arborizada, com a praça muito bem tratada, gramado e canteiros floridos que encantavam a vista de quem lá chegasse, e já paisagem corriqueira nos olhos dos moradores, até hoje, ninguém sabe por que sua neta casou com o padre.
E foram muito felizes...