Casamento Feliz

 

            Casei-me com Andina.

            O mistério é saber por que ela casou comigo.

            Caridade ou piedade é o que diziam, na cidade, quando eu passava por sob uma das janelas.

            - Cabra tão besta quanto o Edival, o que Andina nele viu?

            Fui ouvindo aquilo dia após dia. E, no acúmulo dos anos, parecia que nada mais me afetava.

            Era o único farmacêutico da cidade que morria aos poucos depois que a mina de ferro fechou. O povo partia. Jovens não queriam ficar, mas alguns permaneciam, talvez por caridade, assim como minha esposa ficou comigo.

            O par de óculos sempre me sustentava a cara. Era parte do meu corpo, um órgão, um apêndice. Em casa, ao chegar, ela vinha com uma lista interminável de afazeres.

            - Traste, faz isso.

            - Peste, faz aquilo.

            Eu fazia, calado, passivo, sabendo que no fundo algo maior existia e me havia de dar sustento.

            Não tivemos filhos.

            Um de nós deve ser infértil. Para ela era óbvio.

            - Porcaria de homem, não me serve nem para fazer filho. E de noite é sempre a mesma coisa: feijão com arroz.

            Pensa que ela falava isso só para mim, que nada! A cidade toda sabia.

            Certo dia passava diante da hospedaria do Amadeu, mea-dúzia jogava gamão no saguão. O vento trouxe, querendo fazer arte, o que falavam lá dentro depois que passei e saudei-os com um bom dia levantando o chapéu.

            - Lá vai um que não dá no couro...

            Doeu. Foi feito martelada no dedo, só que no coração. Parei na praça. Sentei no banco. Respirei fundo pensando se valia a pena voltar para casa. Um passarinho pousou no meu ombro. Rouxinol. Começou a cantar bonito. De repente soltou uma caca e voou. Ficou no galho de uma árvore e sentia que ele ria de mim.

            As nuvens no céu formavam letras: Edival é um otário!

            Fui ficando miúdo, amuado, a vida perdeu o gosto.

            Só tinha alegria nos canarinhos que criava. Cantavam todos os dias, cada um em sua gaiola. Era o meu prazer e a minha vida limpar cada uma.

            - Peste de homem, só liga para os passarinhos. E eu aqui, comendo migalhas. Que falta me faz um homem. Um varão de verdade...

            Isso ela gritava. A vizinhança toda ouvia.

            Sei lá, doutor, o que me deu. Garganta seca. Posso pegar água. O povo está lá fora, sei, sei...

            Cheguei em casa e as gaiolas todas abertas. Meus pássaros, doutor, todos criados com zelo. Eram a alegria da minha vida! Ela soltou. Cheguei. Ela, com as pernas abertas, dentro do vestido encardido chupava manga. Olhou-me com olhos esbugalhados.

            - Que foi Edival? Nunca me viu? E, sabe aquelas pestes? Enchiam a paciência! Cansei. Era canto todo dia. Que praga!

            A cadeira ao lado parecia boa. Desci com força na cabeça dela. Senti um estalo, um baque. Barulho de osso partindo. Bati de novo e continuei até não mais poder...

            - Sabe aquela história do copo e da água, doutor. Quando o copo transborda é por que não suporta mais...