Solidão

Ele olhou para o relógio no exato momento em que batia uma hora da madrugada, mesmo estando convulsionado por uma dor agonizante em sua alma, uma respiração sufocada e os seus pensamentos fossem extremamente vagos, confusos; pôs-se de pé e foi caminhando rumo à janela.

Um ou outro veículo atravessava a rua deserta em alta velocidade.

Havia colocado no velho aparelho de som, uma música excessivamente melancólica para depois se sentar no parapeito do prédio. Então, começou a refletir:

“Tenho errado muitos nestes últimos anos e tudo o que eu gostaria era poder dissipar a sensação de culpa. Talvez hoje irei a algum lugar onde eu possa me redimir, quem sabe até mesmo sonhar...”.

Nunca havia tido oportunidade de repensar o passado e este lhe surgia em mente como trechos de um filme fantástico, repleto de peripécias e situações desencontradas. Estudara numa escola tradicionalíssima e privada, sempre se sentando nas primeiras carteiras da sala de aula; aluno aplicado alcançara uma das melhores colocações no vestibular, graduara-se em Direito; fizera inúmeras viagens para o exterior e fez um bom consórcio matrimonial. Nunca fora apegado aos seus familiares e tivera poucos amigos. Seu estilo intelectual e taciturno lhe garantiu emprego numa grande firma de advocacia. Tudo era absolutamente perfeito, e todos o admiravam, embora não entendessem o semblante sempre desconfigurado que insistia em marcar o seu rosto, como uma cicatriz.

Sua vida lhe parecia certa demais, as causas por ele defendidas pareciam excessivamente distantes da sua realidade. Em todas as coisas, havia uma indescritível sensação de vazio que tomava conta de todo o seu ser.

A mudança catastrófica veio em um turbilhão de acontecimentos, e ele não conseguia mentalizar sobre os mesmos, ocorria lapsos intensos onde via rostos femininos que choravam e sorriam; uma criança instalada num féretro; cadáveres de pessoas suicidadas por sua causa; inocentes encarcerados e assassinos libertos; os processos desaparecendo da sua escrivaninha; as garrafas de álcool e por fim uma sensação de culpa e solidão que o atormentavam através de um ato, de uma palavra. Ele não tinha certeza se tudo aquilo havia ocorrido de fato, ou se fazia parte da sua mentalidade doentia, que no desespero em que se encontrava, divagava em acontecimentos duvidosos e reais simultaneamente.

Mas ele não permitiria nunca mais que aquilo ocorresse:

“Seja o passado passado, quando tiver posto uma grande pedra em cima de todas essas questões, estarei em paz!”.

No rádio soava numa língua estrangeira: “... Mesmo que tu tenhas seguido por uma outra estrada, não batas as portas e nem pules os obstáculos que surgirem, enfrente-os...”.

Passou-se um minuto, ele se jogou do sexto andar.

Ana Claudia Brida
Enviado por Ana Claudia Brida em 06/05/2008
Código do texto: T977784
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