Monólogo - Personagem Maria da "Graça"

Esses dias eu li, numa revista, uma atriz famosa dizendo: “A vida é uma dádiva”. Só se for a dela. Tem que ser no mínimo rica ou louca pra afirmar uma coisa dessa. A vida não é fácil não. Você vê, eu tenho três filhos, cada um de pai diferente, o menor tem problema da bronquite, o do meio tem nove graus de miopia, em cada olho, tô há seis meses na fila da cirurgia e nada de o garoto operar. O mais velho, tava desempregado o coitado, quando arrumou um estágio numa firma de informática, pegou dengue. O que é essa dengue? Ficou uma semana arriado e o patrão não quis nem saber. Botou ele pra fora. E eu com essas pernas que daqui a pouco param, porque minhas varizes tão parecendo o rio Tietê de tanta veia que corre e preta! E agora também essa violência. É um tal de assaltar aqui, seqüestrar ali, é criança arrastada por carro, é criança arremessada da janela. O que é essa violência? Deixa a gente até confusa. Esses dias peguei uma colega lá no serviço dizendo que o João Hélio tinha sido jogado do sexto andar do Edifício London! Onde isso vai parar, meu Deus?! É um trânsito que deixa a gente louca! Não tem coisa pior do que trânsito que não anda quando o ônibus tá cheio. Porque com a miséria que eu ganho, andar de ônibus é até luxo. Eu ainda tenho dois e dez pra pagar na condução, não dá pra pegar uma van, que aí já é coisa de rico, mas se eu pegar no ponto final dá até pra ir sentada. Mesmo assim é um inferno. O que é esse trânsito? Trecho Catete pra Barra dá quarenta minutos de van! De ônibus? Uma hora e quarenta! Aí minhas pernas ficam como? Já viu, né... Em uma hora e quarenta nasce gente, morre gente e eu lá, só na paisagem sentindo a asa dos colegas com o desodorante vencido. E quando puxam assunto? Hum, não sou boa pra conversa, vou logo dispensando. Num dá nem pra pegar o celular e ligar pra alguém pra bater papo porque senão meus créditos acabam. Mesmo porque a porcaria do meu celular não presta, não pega direito e ainda tá comendo meus créditos, aquela desgraça. O que é essa telefonia? Isso é coisa da operadora que faz isso pra roubar a gente. Por isso que eu só recebo. Esses dias minha irmã me ligou, Claudete, mora lá em São Paulo a mais velha. (CARA ALEGRE) - Nasceu meu sobrinho... (FECHA A CARA) – Já na bronquite! Agora vê se Deus é justo? Devia ter uma lei que pobre não pode ter filho doente. Ela já sofre das diabetes, não tem nem saúde pra criar mais um filho. E pergunta se plano de saúde cobre? Cobre nada, plano de saúde só cobre o que a gente não precisa. E no dia do terremoto? Porque agora no Brasil tem terremoto. Rachou a laje da Claudete fora a fora e na cabeça de quem que caiu um pedaço do compensado? Do recém nascido! Esse garoto não nasceu com sorte!

Patrícia Mess
Enviado por Patrícia Mess em 06/05/2008
Reeditado em 06/05/2008
Código do texto: T977700