PEGUEI CARONA EM TEU CAMINHÃO
Cansada de ser a certinha das certinhas, resolvi tomar uma atitude contraditória à de uma boa menina.
Estando de férias, sempre procuro pacotes turísticos para o litoral. Dou preferência para vôos de boas CIAs aéreas e hospedagem em hóteis de pelo menos quatro estrelas.
Peguei uma mochila desbotada, coloquei poucas peças de roupas, vesti um jeans uma regatinha e de rabo de cavalo e cara lavada fui para a BR pegar uma carona para este mundo de meu Deus. Na hora estava com tanto medo que resolvi rezar, lá pela décima quinta ave-maria, encosta um caminhoneiro de sorriso autêntico, hesitei, mas subi. Estava decidida à romper minhas barreiras.
Fui logo me apresentando:
_ Oi, meu nome é Floriana, me chamam de flôr.
_ Oi flôr, meu nome é Ronaldo mas meu apelido é águia.
_ Agradeço por ter parado águia, esta é a primeira vez que viajo assim, de carona (neste momento percebi que ele me deu uma olhada de cima a baixo, conferindo o tipo de exemplar que estava carregando).
_ Flôr, geralmente eu não dou carona, você sabe, a vida de caminhoneiro é bastante difícil, somos presa fácil de assaltos e outras maracutaias, portanto acho que nós dois tivemos sorte, eu por ter ganho sua companhia e você por ter ganhado a carona, estamos quites.
E aí, ele me brindou, novamente, com mais um de seus sorrisos.
Águia não acreditou quando disse ser uma executiva, mas ao irmos conversando sobre diversos assuntos, viu que não estava mentindo, foi aí que resolveu parar em um posto para abastecer, e ver se eu queria comer alguma coisa.
_ Olha flôr, me diga, em quê está metida? Cometeu algum desatino? Como pode uma beldade assim feito você estar viajando de caminhão de carona?
_ Não estou metida em nada, apenas quiz sair de minha rotina, pôr o pé na estrada literalmente, não dar notícias, andar por aí sem saber pra onde. Na verdade eu ia pegar o primeiro ônibus que passasse, mas você parou, e como eu estava rezando achei que minha mãezinha (Nossa Senhora) houvesse te mandado pra me ajudar. Prossegui:
_ Sou poetisa e estou apaixonada por um poeta que nunca vi na vida, por ser uma amor impossível, decidi sair de meu mundo, romper a redoma de vidro e permitir que a vida me toque. Fica tranqüilo, eu sou do bem, sou da paz, sou tão certinha que enjooei de mim mesma. Lágrimas começaram a rolar de minha face, uma dor profunda tomou conta de meu coração, solucei bem alto e chorei, chorei muito. Águia veio e me abraçou, seu cheiro era bom, apesar das horas à fio dirigindo o caminhão.
_ Não chore princesa, e olhe, não existe nada impossível nesta vida, ouviu?
Senti tanta paz, que me deixei ficar por muito tempo dentro daquele anel formado pelos braços de águia. Até que sua voz me tirou daquele torpor:
_ Vamos comer alguma coisa?
_ Que tal tomarmos um bom banho primeiro?
_ Você é quem manda moça. Disse isso e saiu assobiando uma música de oswaldo Montenegro.
No banho pensei no que estava fazendo, e em como dera sorte de águia ser uma boa pessoa, não sei de onde tirei a idéia de pegar carona na estrada, como se fosse uma dessas mulheres sem rumo, sem eira e nem beira. Ao sair do banho encontrei águia barbeado e perfumado, estava muito cheiroso. Me acompanhou até o caminhão onde guardei minha mochila e juntos seguimos para a churrascaria do posto.
_ E aí, o que minha princesa vai querer?
_ Como estou em processo de aprendizado, quero o mesmo que você. Afinal, talvez resolva comprar um caminhão também, sorri.
_ Olha que não ficaria nada admirado se fizesse isto. (ele riu também).
Então pediu duas doses de cachaça e rodízio de carnes.
Em um só gole virou sua dose e aí com olhar de troça me ofereceu a outra dose. Pensei durante uns dois segundos e encarei o teste, virei tudo de uma vez, engasguei, meus olhos ficaram rasos d'água. Vi que ele ficou apurado e bastou ver o arrependimento em seus olhos para que eu risse bem alto de minha própria desgraça. Então, águia me levantou e rodou tirando meus pés do chão, rimos muito. Foi sensacional.
_ Ha,ha, sabe águia é de encabular o quanto me sinto à vontade com você, algo em seus olhos me fazem crer que já nos conhecemos à muito tempo. (silêncio)
_ Minha flôr eu também acho o mesmo.
_ Não fale assim.
_ Assim como flôr?
Meu poeta me chama de “minha flôr”. Ele também tem apelido de pássaro.
_ É mermo?
_ Sim, até isto, esse seu é mermo, é igualzinho ao dele. Pra onde você está indo?
_ Estou indo para São Paulo, e você?
_ Vou até onde você quizer minha companhia. Ele é de São Paulo também. Calei.
_ Então vamos jantar logo e amanhã cedinho colocamos os pés na estrada outra vez.
Jantamos, acho que comi demais, fiquei com muita preguiça, mas mesmo assim fomos fazer parte de uma roda de caminhoneiros gaúchos e lá bebemos chimarrão e cantamos até à meia-noite, depois fomos para o caminhão. Foi quando eu falei:
_ Águia, se quizer, posso dormir no hotelzinho do posto, assim não te incomodo.
_ Prefiro que durma aqui, ficará mais segura, não dá pra confiar em uma tropa de homens sem mulher à vários dias. Você sozinha pode chamar a atenção. À não ser que não queira dormir aqui, tem medo de mim?
_ Sinto plena confiança em você. Tudo bem, dormimos aqui então.
Nos acomodamos na cama do caminhão e não demorou, peguei no sono, acordei em meio à madrugada, estava aconchegada ao peito de águia, muito, muito aconchegada mesmo. Fitei seu rosto e me lembrei de um dos textos de meu amor, meu poeta tão sensível, o que será que iria pensar se soubesse de meu desatino? Ronaldo (águia) é um homem bem simpático, atraente, culto, nem parecia ser caminhoneiro (isto é, como eu pensava que deveria ser um), senti uma vontade enorme de beijá-lo e o fiz. Ele abriu os olhos e após uns segundos, que pareceram horas, beijou-me sofregamente. O tesão foi tão forte que os botões de sua camisa foram sendo destroçados, minha mãos alisaram seu peito rijo, enquanto sua boca murmurava palavras em meus ouvidos. A loucura nos dominou e após o último espasmo de meu útero, nossos olhos fixaram-se uns nos outros, ficamos assim absortos, mudos, até nossa respiração se regularizar.
_ Me desculpe, juro que não sou desse tipo de pessoa.(estava me estranhando).
_ Flôr, não diga nada, estou tão emocionado que mais tarde tenho algo muito importante pra te dizer.
Me abraçou e dormiu novamente, fiquei incomodada, o que será que ele tinha pra me dizer? Com medo de sofrer, resolvi fugir, peguei minha mochila e parti, deixando um bilhete de adeus. Assinado com “Flôr de pequí”.
Peguei um ônibus que ia passando pela BR, dois dias depois, já em casa, com o coração vazio, entrei na internet, fui ler as poesias do meu poeta. Ele havia escrito um conto.
"Lá na BR, sem medo de encontrar seu amor, eis que estava pedindo carona minha flôr.
A mulher executiva despiu-se de todos seus paradigmas em busca de uma só certeza, abandonar à si mesma e aos costumes impostos pela sociedade interiorana.
Não esperava minha menina encontrar-me dirigindo um caminhão, que nunca foi fictício.
Não esperava a mulher que seu executivo, fosse caminhoneiro e poeta das estradas.
E ao amanhecer o dia, após tanto amor e prazer, um bilhete, minha flôr do cerrado havia partido. E agora? Já andou nas estrada de meu coração, me espera de novo?"
Respondi aflita: Era você!!! Mas pensei que se chamasse Carlos!
_ Mas, agora entendo tudo. Só podia ser você, e o amor como perfeito satélite, guiou meu corpo, sem gps, até ao seu. Estou arrumando minhas malas, esqueça teu escritório e eu abandono o meu, estacione teu caminhão, me estenda tua mão e me leve, me leve até onde a vida faz sua última curva.
“A SAUDADE HÁ DE TE ENTREGAR MEU CORAÇÃO NA PRIMEIRA PARADA DA ESTRADA”.