A SURPRESA

  

A surpresa, essa emoção repentina que faz o coração bater forte, faz o corpo suar, empalidecer ou corar. Ela pode trazer alegrias ou tristezas, anunciar esperanças ou desencantos. Óbvio que todos queremos as que nos deixam felizes.

 

Estou me preparando para a minha. Afinal, não quero morrer dum infarto. Faço promessas todos os dias ao meu santo para que me ajude a ganhar a Sena, sozinho, depois de meses acumulada. Mas, não está me ajudando! Será porque nunca aposto?

 

Mas, existem pessoas que não gostam de surpresas! Williams é um exemplo.   Homem reservado, caseiro e cumpridor de seus deveres. Ao relógio, organiza seus passos com um rigor britânico!  A sua vida é repleta de afazeres que cumpridos  à risca, lhe dão a tranqüilidade do justo. Profissional dedicado, colecionador de objetos raros, curte ouvir boa música, tomar o seu vinho suave e ficar sozinho. Divide o tempo livre entre a família e seu lazer solitário. Enfim,  seus hábitos são conservadores e não sente inveja de quem não planeja o dia, de quem não tem rotina.

 

Mesmo assim não é um sisudo chato. Sai com amigos, que são muitos e com seus familiares. Só não lhe peça para sair da rotina. Querendo-se dele alguma coisa, dê-lhe tempo para programar.

 

Certo dia, no shopping, acompanhava os filhos e sobrinhos, ao cinema. Depois do filme, resolveram comer pizza. Os demais não sabiam, mas ele já tinha previsto esse aparente relaxamento. O local estava cheio, mas conseguiu uma mesa e as crianças sentaram-se. Williams, então, dirigiu-se ao caixa.

 

De repente, quando terminava de fazer o pedido, ouviu-se um  barulho estridente de  um sino vindo lá do guichê. Todos assustados, passaram a olhar aquele ponto.

 

Os funcionários da pizzaria param de trabalhar e aplaudem, olhando para Williams que sem entender nada, olhava para a moça do caixa que sorridente, diz em voz alta:

 

- Parabéns! O Senhor é o cliente número 200 do dia! Sorteado, não pagará a conta. È um presente da Casa.

 

As pessoas que estavam por ali olhavam-no, davam-lhe tapinhas nas costas.

- Aí, amigo! Parabéns, sortudo!

 

Mas, Williams diante do inesperado, se acanhou. Mesmo com toda a gritaria do sorteio, fez menção de pagar. Entretanto a funcionária insistiu. Todo o pedido seria gratuito mesmo e que aquilo acontecia uma vez todos os sábados, domingos e uma vez durante a semana. Geralmente, nas quartas-feiras.

 

A principio Williams, de fato, não gostou. Aquilo feriu seu jeito. Mas aos poucos, pensando bem, concordou. E passou a ser assíduo àquela Casa. Ia sempre, talvez para compensar aquele presente. Mas, (...) porque ia sempre aos sábados, domingos e quartas-feiras! O inconsciente tem razões que a própria razão...

 

Nessas idas viu algumas vezes, pessoas serem agraciadas. E, como comemoravam!

 

Passado quase um mês, num certo sábado levou a família toda. A casa estava cheia e na hora de pagar, na fila havia mais de dez pessoas. Williams esperou sua vez como cidadão que é.

 

Notou que uma família de oito pessoas ocupara uma mesa ao lado da que a sua estava. Naquela, crianças pequenas e uma senhora idosa. Uma moça de lá ficou atrás dele e parecia preocupada, por razões óbvias. Os meninos não paravam quietos e fustigavam a velhinha.

 

- Moça! Percebo que você precisa cuidar dos seus. As crianças parecem agitadas. Se quiser pode ficar na minha frente. Posso esperar mais um pouco.

 

- Obrigada, Senhor! De fato, preciso voltar logo, se não, minha avó é quem  vai pagar o pato. Obrigada! Aceito.

 

A fila andava e logo era a vez da moça. Atendida, foi saindo apressada enquanto Williams se aproximava já tirando a carteira, quando se ouviu o sino.

 

Desta vez, Williams não se envergonhou. Voltou-se para as mesas e fez uma mesura em agradecimento aos aplausos. Depois riu alegremente para  a funcionária  que vinha em sua direção.

 

- Parabéns! A Senhora é a cliente número 200 do dia! Sorteada, não pagará a conta. É um presente da casa!

 

Disse apertando a mão da jovem a quem Williams cedeu a vez e que, com o barulho inesperado do sino, ficara paralisada ao lado dele.

 

A sorte raramente bate a mesma porta duas vezes. E quando o faz, sua vingança é ferrenha contra quem tenta enganá-la.

 

 

Esse texto foi criado em parceria:

Ana Costa e Luiz Barbosa Max

 

 ** PRESERVO ESTE TEXTO EM HOMENAGEM A UM GRANDE ESCRITOR LUIZ BARBOSA MAX, FALECIDO EM 16.11.2008. DESCANSE EM PAZ, AMIGO!