PROFESSOR DE RUA

PROFESSOR DE RUA

Tinha uma pedra no meio do caminho...

Fafá era mesmo assim. Daquele jeito. Meio tonto meio louco... De tanto estudar, diziam os mais antigos. Nada! Tinha batido a cabeça ao nascer, afirmavam outros. Qual? Ninguém sabia ao certo o que transformara aquela pobre criatura em tão obcecado andarilho. Perambulava por todo o bairro, sempre de paletó e gravata, carregando enorme pilha de livros embaixo do braço. Sempre arisco e mal humorado, custava dar atenção a alguém. Os poucos diálogos que travava, geralmente com a criançada, eram repletos de noções de Filosofia, de História, um bocado de Política e sempre entremeados de xingamentos dos mais cabeludos, destinados aos que dele se riam. E sempre havia os que riam dos disparates do insano professor da rua. Por vezes, dizia-se filho de Camões, com quem navegara por mares nunca dantes navegados, outras vezes era sobrinho de Alexandre, o ”Grande” e invadira Alexandria dando-lhe o pomposo nome, quando não era o próprio Nero, imperador de Roma e inimigo feroz dos cristãos.

O personagem mais famoso vivido por Fafá era sem dúvida o de “Poeta”... Vivia sonhando com a amada que partira, com os amores que, julgavam todos, jamais tivera, com a felicidade que permanecera esquecida em algum recanto sombrio de sua alma atormentada. Margarida... Era assim que nosso insano poeta chamava sua ilusão perdida. Em suas longas caminhadas declamava versos desconexos de amor à sua musa imaginária. Parecia sonhar, e nesse sonho voava por entre nuvens e montanhas. Quem o visse nesses momentos juraria que o pobre errante era feliz. Durava pouco. Aos gritos e assovios a miuçalha o despertava para sua realidade insólita.

Triste viajante do irreal, espectro de ser humano destruído e espezinhado pela mediocridade de insensíveis. Não sabiam nem nunca saberão o que é delirar por amor e perder-se no infortúnio do gostar.

Naquela manhã ensolarada de um mês de maio qualquer, estava nosso professor poeta em mais uma de suas reflexões alucinógenas quando foi brutalmente despertado por violenta pedrada que lhe atingira o peito em cheio. Um urro de dor e demência encheu o ar. Fafá em macabras evoluções de ódio e angústia, como alma penada em desespero, lançou-se em desabalada carreira pela rua até estatelar-se de encontro a um ônibus. Como um pássaro alvejado por certeira atiradeira, o pobre homem agonizava no asfalto. Seu olhar turvou-se de lágrimas e pela primeira e derradeira vez notava-se claramente a lucidez que despertava no moribundo. Braços estirados em direção ao nada pareciam despetalar com ternura adoráveis Margaridas. O Poeta encontrara finalmente a sua amada.

Tinha uma pedra no meio do caminho...

Claudio De Almeida
Enviado por Claudio De Almeida em 28/04/2008
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