LAÇOS DE TERNURA

Ambos nasceram em 1950, em meses diferentes. 14 anos se passaram e, em 1964, estudavam no mesmo colégio. Seus olhos testemunharam as transformações da época. Em 1965, ele notou o seu jeito de caminhar. Ela parecia deslizar pelo pátio da escola. Em 1966, sentaram lado-a-lado no ônibus. Em 1967, eram colegas de aula. Para eles, 1969, não foi lembrada pela chegada do homem à lua, foi o ano de seu primeiro beijo. Em 1973, ele a pediu em casamento. Em 1974, ela disse o sim. Em 1976, ele a traiu. Em 1977, ela pediu divórcio. Em 1981, reataram. Em 1983, assistiram juntos "Laços de Ternura". Ele jurou amá-la para sempre. Em 1984, ela fugiu com outro. Em 1985, ela escreveu uma carta, pedindo perdão e dizendo que o amava. O carteiro entregou o envelope a uma vizinha, que extraviou a carta, que ele nunca leu. Eles sempre se amaram.

Em 2007, ele é guiado pelos corredores do supermercado por sua netinha, de 03 anos, espevitada. A pequena esbarra numa senhora e derruba sua cesta. Ele ajuda a recolher as verduras e olha em seus olhos. Os mesmos que, em 1969, o encantaram. Ele não repara nas marcas de um rosto de 57 anos. Diante dele, novamente a garota de 19 anos, para quem jurou amor eterno. Passaram-se tantos anos e, engraçado, parece que foi ontem. Ela pensa no que dizer. "Você leu a carta? Não significou nada?". Não, ela resolve calar. Ele força o joelho para levantar. Osteoporose. "Vamos embora, vô", insiste a pequena. Eles encaram-se uma última vez. Ele desculpa-se. "Crianças..". Dá de ombros. Suspiram. Ela sorri e encosta seus dedos nos dele, quando ele a alcança o maço de couves que caíra no chão...

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 26/04/2008
Código do texto: T963417
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