A Aposentadoria
- Alo! É o senhor Dionísio?
- Eu mesmo.
- Boa tarde. Aqui é do departamento de recursos humanos da empresa.
- Pois não.
- Informo que a partir de amanhã, o senhor não mais trabalha na empresa!
- Como assim?
- Segundo meu computador, consta que o senhor trabalhou mais de trinta e cinco anos! Confere?
- Sim...
- Então. O senhor atingiu, o direito de se aposentar!
- Mas eu não quero... ou melhor, não tinha passado pela minha cabeça essa possibilidade de me aposentar...
- Não é uma possibilidade, é real! O senhor está aposentado!
- Mas, assim na lata... na hora do almoço... queria um tempo para pensar...
- Sem mais nem menos. Tá aposentado e pronto! Passe amanhã no departamento com a sua carteira de trabalho, para darmos baixa!
- Mas e o meu serviço? Estou abarrotado de atividades.
- Outra pessoa já foi contratada, para o seu lugar!
- Mas assim? Sem me avisar?
- É a lei! Deu tempo... aposenta!
- Mas ainda tenho as minhas coisas nas gavetas, tenho que me despedir dos meus amigos...
- Não se preocupe. Suas coisas já estão encaixotadas e estão à sua disposição, na recepção! Quanto aos seus “ex” amigos, saiba que o seu substituto é de mais agrado à todos!
- Como assim, mais agrado? O cara nem entra e, os meus amigos já o adoram?
- Isso mesmo!
- É alguém que eu conheço? De que setor?
- O senhor não o conhece, foi contratado a menos de dez minutos.
- Dez minutos!? Posso saber o que esse cara fez, para os meus amigos o adorarem?
- Ele tem iniciativa! Prontificou-se com todos, a resolver as pendências que o senhor sempre deixou, para “amarrar” o serviço, ao seu cargo!
- Mas são assuntos que só eu posso resolver!
- Isso é o que o senhor sempre achou!
- Escute aqui o, o...
- Ramon.
- Escute aqui o Ramon, saiba que sou uma pessoa imprescindível na empresa!
- A aposentadoria é a resposta da empresa! Aliás, sua “ex” empresa!
- Olhe Ramon, não quero ficar aqui perdendo o meu tempo, discutindo com você. Vou voltar ao meu serviço, pois alguém errou e não fui eu!
- É de direito seu, reclamar. Mas de nada vai adiantar. O senhor está aposentado e fim! Ah, nem eu gostaria de ficar aqui discutindo com o senhor, tenho outras ligações para fazer, outras aposentadorias para anunciar.
- Foda-se você, Ramon! Vou entrar na empresa e trabalhar normalmente!
- Duvido que o senhor, consiga fazer isso. O seu crachá, já está cancelado! Não poderá entrar!
- Que loucura é essa? De um dia para o outro, ou melhor, de uma hora para outra, sou carta fora do baralho?
- Se é essa a sua melhor definição... sim! Sim, o senhor é carta fora do baralho!
- Então vou falar com o Nestor, o chefe do departamento!
- A ordem veio dele!
- Filho da pu...
- Senhor! Exijo respeito! Esta é uma conversa trabalhista e, ainda que não seja a minha obrigação, devo informá-lo que esta conversa está sendo gravada!
- Que se dane! Vou falar então, com o Murilo, chefe do Nestor!
- O Nestor só obedeceu a ordem dada diretamente, pelo próprio Murilo!
- Mas que filho da...
- Senhor! Devo lembrá-lo...
- Sei, sei. Da gravação...
- Isso mesmo!
- E pensar que neste último fim de semana, os dois passaram aqui em casa comendo um churrasquinho e bebendo por minha conta...
- Senhor. Acho que o senhor, não deve misturar assuntos particulares, com serviço!
- Ramon, o Murilo é padrinho de batismo da minha filha! A Silvana e...
- Entendo, senhor... mas serviço é serviço.
- Entende... entende coisa nenhuma! É fácil para você ligar e dizer friamente: “à partir de hoje o senhor, está desligado da empresa...”, teretete, teretete!
- Desculpe-me pela sinceridade senhor, é o meu trabalho. Olha Dionísio, sei perfeitamente o que o senhor, está passando neste momento.
- Sabe nada!
- Sei!
- Prove!
- Não devia fazer isso, mas... só um instante para eu desligar o gravador... como eu dizia... como “prova”, saiba que neste exato momento, a sua filha está com o senhor Murilo, no motel Pradiso!
- Nãooo! Mentira!
- Acredite. É verdade! Mas devo alertá-lo que negarei, essa informação, se me questionarem...
- Hã... está... está bem, Ramon. Mas minha filha... com o Murilo... ele tem o triplo da idade dela!...
- Dionísio... estou religando o gravador. Pense bem, no que vai falar doravante.
- Não me resta outra alternativa, senão falar com a minha esposa, a Dóris, que trabalha no departamento de distribuição, sobre o Murilo e a nossa filha...
- Sei quem ela é. Mas espere! Deixe-me desligar de novo o gravador... acho melhor o senhor não a procurar, para falar desse assunto!
- Por que, não!?
- Vai por mim, amigo. É melhor fazer isso, quando ela estiver aí!
- Mas... não estou entendendo!?
- Olha. Também não acho justo, da forma como que estão lhe tratando. Também sou pai. E a sua esposa... digamos... não seja a melhor pessoa... para tratar desse assunto. É melhor o senhor procurar uma assistente social. Particular, é claro. O da empresa o senhor já não tem mais direito!
- Como assim, Ramon? O que tem de errado com a minha esposa? A Silvana é filha dela também!
- É o que o senhor acha.
- Não...? Você está insinuando que a Silvana, não é a minha filha!?
- O senhor já conferiu o tipo sanguíneo dela, com o de vocês?
- Não!
- Então...
- Então, o quê?
- Nós conferimos! Não bate! Ela não é a sua filha.
- Se ela não é a minha filha, de quem poderia ser? Seu por acaso?
- Meu!!? De jeito nenhum! Tem mais chance de ser filha do Nestor, que de nós!
- Do Nestor!! Não é possível!! Mas... mas... porque você disse isso?
- Porque a sua esposa, não sai da sala dele! E o tipo sanguíneo dele, bate com o da sua filha...
- Você não está querendo insinuar que a Silvana, pode ser filha do Nestor...
- Já reparou a semelhança de nariz entre eles!
- Ééé... aiii... caracas! Tem a ver...
- E o tipo de cabelo...
- Escorrido que nem o dele!
- Isso!
- Quero falar com ele!
- Só depois. Neste momento, ela está reunida com ele!
- Ela... minha esposa? Reunião!?...
- Isso mesmo!
- Entrou agora?
- Antes do almoço!
- E o que eles estão fazendo neste momento?
- Não dá para ver, senhor. As persianas do escritório, estão fechadas!
- Caracas!! E agora, Ramon! O que eu faço!?
- No seu lugar, eu iria agora para o departamento pessoal e daria baixa na carteira.
- E fazer o quê, depois?
- Reinicie a sua vida longe delas!
- Mas mesmo assim, vou ter que pagar pensão, dividir os bens...
- Que bens? Um fogão e uma geladeira? O resto é alugado.
- Como é que você sabe?
- Tá tudo declarado na sua folha pessoal! Também diz nela, que a atual casa onde vocês moram é alugada, assim como o carro e o mobiliário!
- Mas, se eu fugir, elas vão me achar!
- Du-vi-do! Lembra-se da sua última férias?
- O que é que tem?
- Férias, mais a licença prêmio, mais o bônus de trinta dias... hum... total: noventa dias afastado da empresa e elas nem notaram!
- Como que você sabe que elas nem notaram? Tá escrito na ficha?
- Não. Hoje eu mesmo perguntei por você e elas responderam – “ah, ele deve estar por aí... de férias.” O problema é que você gozou estas férias, a mais de um ano atrás e, elas nem se lembram disso! Entendeu? Pegue o seu fundo de garantia e vá curtir a vida! Longe delas!
- É... acho que você tem razão... vou dar baixa... obrigado, amigo. Você me deu bons conselhos. Como te agradeço?
- É só não me procurar!
- Como assim?
- 1º de abril!!!
- Filho da...
- Olha a gravação!! (cai a ligação!) tu... tu... tu...