Armadura

"Alguém gosta de você".

Era só o que tinha escrito no papel enfiado de qualquer jeito na gaveta da mesa de trabalho da jovem. Era algo muito estranho de acontecer, visto que ela não conversava com qualquer ser humano que circulasse naquele ambiente.

Melina sempre preferiu um bom silêncio à exposição de qualquer fiapo de opinião ou emoção. Achava tudo muito inútil, pois havia gente que se beneficiava de alguma maneira das coisas que as pessoas diziam em conversas aparentemente informais. De tanto observar esse sistema fraudulento que todo mundo parecia utilizar sem perceber, mantinha-se sempre de fora.

A moça achou que o bilhete tinha sido deixado na gaveta errada.

Nos dias seguintes, porém, novos bilhetes apareceram.

"Você deveria sorrir mais. Sorria pra mim", "Como você ainda não me descobriu?", "Tenho um pouco de medo de te contar quem eu sou, porque você não parece estar gostando dos bilhetinhos que anda recebendo", "Você é tão bonita!", "Se você estiver interessada em me conhecer, deixe este mesmo bilhete debaixo do capacho. Por favor, me dê uma chance".

Mas Melina não deu esse passo. Até se sentia lisonjeada pelas palavras e sabia que eram verdadeiras, mas também sentia que estava colocando sua armadura em perigo e, percebendo que não conseguiria escapar das investidas insistentes de sei-lá-quem, assinou uma carta de demissão e mudou-se.

Anos se passaram, rugas nasceram e Melina recebeu uma carta de sua mãe. Ela pedia desesperadamente que a filha voltasse para a cidade de onde tinha saído alguns anos antes para ver algo surpreendente.

"Você se lembra de um rapaz que trabalhava no mesmo prédio que você? Aparentemente na mesma sala? Cabelos e olhos castanhos, não muito alto, responsável pela papelada que circulava?".

Ah, sim, ela procurou o rapaz nos arquivos empoeirados das escassas memórias que ainda tinha do antigo emprego e encontrou seu rosto.

"Ele morreu de uma doença cardíaca e a família dele gostaria de falar com você".

"Comigo? A respeito de quê?"

Melina ainda tinha essa mania de evitar exposição de si mesma para as pessoas, mas a mãe insistiu muito e foi impossível não ir. Quem abriu a porta foi uma senhora de olhos claros e bondosos, vermelhos e inchados.

"Você veio. Muito obrigada!"

É óbvio que Melina não estava entendendo nada, mas uma carta endereçada a ela esclareceu boa parte das dúvidas.

"Querida Melina,

Quanta saudade sinto de você! Nós nunca conversamos, mas eu sei que se tivesse havido uma chance, eu ia te amar mais ainda, se isso fosse possível... é uma pena que você nunca respondeu meus bilhetes e nunca se interessou em saber de mim. Por que você foi embora?

Agora já estou fraco e não trabalho mais, mas fico imaginando que você cuidaria de mim todos os dias e passaria alguns minutos sentada na minha cama me contando sobre o seu dia. E eu ia ouvir com tanta atenção, porque ia soar como minha música favorita!

Quando descobriram essa minha doença, eu ainda era pequeno e os médicos disseram que eu sobreviveria alguns anos se encontrasse uma esperança que me fizesse acordar diariamente.

Olha que coisa linda! Eu encontrei você! O médico me disse que esse sentimento tem me mantido aquecido e vivo por muito mais tempo do que todos esperavam. Faz bem pro meu coração.

Mas você não me encontrou, e eu te esperei tanto! Acho que meu corpo não consegue mais se alimentar só dessas esperanças e eu tive que parar de trabalhar. Isso me magoou muito, porque aquele lugar me lembrava tanto você! Esperei diariamente que você fosse aparecer lá de novo. Espero que tudo esteja bem.

Acho que isso é uma despedida, mas..."

Era o fim das palavras. Exatamente no "mas...".

A mãe de Eric explicou que tinha encontrado essa carta no chão, no dia em que o filho morreu. Foi a última coisa que fez. Tinha também escrito um endereço no envelope, a fim de colocá-la no correio.

"Ah, mas esse é o meu endereço antigo. Só morei nesse lugar no primeiro mês". E Melina chorou. Convulsivamente.

Tinha se poupado de um sentimento inofensivo toda sua vida e não conseguia encontrar alguma coisa boa que fosse fruto daquela maneira de ver a vida e as pessoas.

Depois de muito chorar até sentir uma veia saltando na testa, finalmente foi embora. No caminho pra casa, sozinha, chorou mais e muito. Tinha certeza que ia dormir com esse sentimento de amargura no peito, ou, pior, ficaria acordada com ele. Pensou em todas as pessoas com quem trabalhava e por quem sentia simpatia. Tomaria coragem e falaria com elas no dia seguinte. Em homenagem a Eric.

Estava com este pensamento enxugando suas lágrimas quando leu a notificação do correio pedindo que fosse buscar um total de 426 cartas endereçadas a ela e que não puderam ser entregues porque não havia alguém em casa naquele dia.

*************************