MÉDICO E LOUCO

Malthus acordou assustado. Sentia o corpo dolorido e uma forte dor de cabeça latejava, perturbando-o em muito. Não sabia onde se encontrava e de si mesmo só tinha a certeza de chamar-se Malthus Kellar. Sofria de uma aparente amnésia parcial.

Olhando ao redor, percebeu que estava em um hospital, ao ver alguns apetrechos típicos a esses locais, mas não sabia o porquê de estar ali. Passou a mão pela cabeça, na tentativa de descobrir algum curativo, mas nada encontrou.

“_Menos mau!” Pensou ele, tendo consciência de que estivera “dormindo” por alguns dias, devido ao uso de medicamentos pesados. Tudo parecia tranqüilo a Malthus, mesmo não sabendo o que de fato lhe acontecera.

A única coisa que realmente lhe perturbava eram alguns flashes que lhe vinham à mente, pelo fato de ele saber que jamais vivera nenhuma daquelas memórias. Como diriam os espíritas: “Eram as lembranças de outras vidas!”

Por diversos instantes, Malthus se via como um grande general, defendendo seu país contra os interesses dos inimigos. Em outros momentos era um guarani caçando uma anta. Na pseudo-memória mais constante, ele era o explorador espanhol Hernán Cortez e sempre negociava o “El Dorado” com o poderoso Montezuma. Porém, ele sempre estava ciente de que não vivenciara nada daquilo.

Bruscamente a porta se abriu. Uma senhora, toda de branco, entrou, sorriu-lhe e amiúde, encostou a porta.

_ Como nós estamos hoje? Perguntou a mulher.

_ É a enfermeira! Pensou o rapaz, diante do “nós” que ela disse. Elas sempre falam assim?

Ele, retribuindo o sorriso, respondeu:

_ Um pouco melhor. Com dor de cabeça, mas no geral, estou bem!

_ Nós pregamos um baita susto em todos! Não é mesmo? Indagou a enfermeira.

_ Eu não seio que aconteceu, ao certo. Estou com falta de memória! Falando isso, Malthus mostrou-se decepcionado.

_ Então nós esquecemos de tudo? Acho que vamos ter de falar com o médico! Dizendo isso, a senhora novamente sorriu.

Curioso, ele quis saber o que, verdadeiramente lhe ocorrera, para que estivesse ali.

_ A Senhora poderia me dizer o que aconteceu comigo?

_ Quer dizer que a nossa amnésia é grave! Ao menos o nosso nome nós sabemos ?

_Eu sei o meu! Do nome de Senhora, não faço a mínima idéia! Brincou Malthus.

_ Sem memória, mas cheio de graça! Resmungou a enfermeira.

_ Senhora! Começou Malthus. Eu só quero saber como e por que estou aqui. E com isso, tentar lembrar algo mais!

_ Rapazinho, nós estamos aqui há dez anos e ainda não sabemos o porquê!

Ele estranhou a frase, mas acreditou que se encontrava em algum hospital público da periferia, para onde mandam alguns profissionais, não tão profissionais assim. Ainda mais curioso, ele perguntou:

_ Qual é o seu nome, Senhora?

_ Agora nós queremos saber o nosso nome? Ela sorriu. Nós nos chamamos Ana Neri...

_ Não, Senhora! Interrompendo-a. Meu nome é Malthus e é a Senhora quem se chama Ana Neri.

A Senhora muito irritado, bronqueou:

_ Mocinho, eu estive na guerra, cuidando dos feridos. E nem lá, fui obrigada a escutar brincadeiras tão desagradáveis!

Malthus ficou espantado. Não acreditou que aquela senhora, com pouco mais de quarenta anos, esteve na guerra, pois se isso acontecera de fato, ou ela já estaria aposentada há muito tempo, ou estaria enterrada. Veio então à sua mente, que ele tinha noção da época em que vivia.

De repente a porta se abriu e dois homens fortes, também de branco, entraram.

_ Você já está incomodando? Perguntou um deles.

_ Mas o que foi que eu fiz? Redargüiu Malthus.

_Eu estou quieta! Nós só estávamos conversando. Disse a senhora, encolhendo-se.

_ Sinto muito Senhor! Isto não voltará a acontecer! Disse um dos homens, aproximando-se do acamado.

Após isso, saíram retirando a mulher do quarto e deixando a porta aberta. Malthus ficou mais confuso e já não entendia o que estava acontecendo consigo, naquele lugar.

Inesperadamente, o som de um bugio invadiu o quarto. Malthus procurou e não encontrou o macaco. Outro barulho, ele olhou de um lado para o outro da cama e nada!

Desistindo da procura, ajeitou-se no travesseiro e ao olhar para o teto, um novo susto.

_Caraíba viu tapir?

Era um japonês, só de tanga, que lhe perguntava.

Malthus, agora mais do que nunca, estava confuso.

_ Tapir?! Que raio de tapir, ô japonês?

_ Caraíba ofende índio Morubixaba, grande caçador da tribo! Disse o japonês.

_ Índio?! Espantando-se. Índio de que tribo? De Tóquio ou de Yokohama?

_ Psiu! Tapir está na itaoca! Não se mexe, senão caraíba vai espantar tapir, com essa cara de jacu!

A cada vez, Malthus se confundia com aquela figura amarela que acreditava ser um índio. Após alguns minutos, o japonês começou a dançar no quarto.

_ O que é que você está fazendo? Quis ele saber.

_ Índio Morubixaba dança, para Tupã casar com Jaci e trazer ipecacuanhã para caraíba dormir e não espantar tapir! Respondeu o japonês.

Desolado, Malthus olhou à porta e viu um homem alto e estranhamente narigudo. Tentando chamar a atenção, falou:

_ Amigo, por favor...

O homem ficou prostrado e, ao ver o japonês, saiu correndo assustado.

_ O que deu nele ? Perguntou, olhando ao “índio”.

_ Caraíba parece tracajá ... para entender é muito devagar! Fala igual à caipora, que sai na mata para encontrar saci-pererê e pitar com fumo de rolo. Imagina se ele encontra Iara na beira do rio e vai tentar descobrir por que mãe d’água tem rabo de peixe...

_ Cala boca ô Aritana ! Eu quero saber quem era aquele homem?

_ Falador e cego, que nem maçaroca. Aquele era tapir e caraíba maritaca espantou. Agora índio Morubixaba perdeu a caça!

_ E agora?! Quis Malthus saber.

_ Agora índio Morubixaba, grande guerreiro e caçador, vai atrás de cunhãs, para poder brincar. Disse o japonês ao sair, entoando cânticos guaranis.

Ao ver aquela cena, Malthus teve a suspeita de que aquele hospital era para doentes psiquiátricos e sua cabeça, cada vez mais se contorcia em confusões.

A porta aberta era a sua única janela, para ver se alguém passava. Somente as passavam e só à noite é que um homem franzino, com cara de mexicano apareceu.

_ O Senhor está aqui! Disse o mexicano. Passei o dia todo à sua procura!

_ Você me conhece? Perguntou Malthus.

_ Não só o conheço, como muito lhe admiro!

_ Então, quem sou eu? Novamente, o esquecido perguntou.

_ Oras! O Senhor é o meu grande amigo Hernán Cortez!

Ouvindo isso, Malthus riu, dizendo:

_ E você é o Imperador Montezuma!?

_ Claro! Afirmou o ticano. Mas vamos voltar às negociações, Hernán?

Malthus olhou-o e quase gargalhando falou:

_ Ô Montezuma, o negócio é o seguinte: você me dá o “El Dorado” e se manda, ou os espanhóis vão destruir o seu império!

_ Gosto disso! Objetivo e determinado! Vamos pensar um pouco... Boa essa proposta!

Comentando isso, o mexicano saiu, deixando o esquecido a confabular consigo.

_ Vamos pensar: três loucos apareceram, então eu estou em um hospício. Certo!... Se estou aqui é porque estava doido também! ... Sei o meu nome e tenho memórias de alucinações... bem, talvez eu tenha recuperado a lucidez e por isso não me lembre de certas coisas!

Após chegar a esta conclusão, Malthus ficou à espera de outro doente, para conversar e se divertir um pouco. Era só isso que havia para fazer.

_ Até que enfim encontramos você! Disse uma senhora, ao entrar, acompanhada de uma jovem.

_ Duas loucas de uma vez! Pensou nosso amigo.

_ Como você está, meu querido? Perguntou a mais nova.

_ Com vontade de comer banana! Respondeu ele, segurando o riso.

A senhora estranhou e, virando-se para a mais nova disse:

_ Que estranho! Ele nunca gostou de banana!

_ Eu sei! Retornou a jovem, também com estranheza.

Quando voltaram-se para Malthus, ele acenou à mais nova, pedindo que ela se aproximasse. Ela o fez e ele, rapidamente, começou a catar piolhos e c comer, imitando os gestos de um macaco.

_ Mas o que é isso?! Gritou a senhora.

_ Mim Tarzan, você Jane! Disse ele, olhando para a moça que, espantada, virou-se para a senhora.

Malthus, segurando o riso, apontou à mais velha e falou:

_ Ela, macaca Chita!

Nisso, a velha se irritou.

_ Malthus Kellar, isso é jeito de se falar com a sua mãe??

Malthus se espantou e em um estalo lembrou-se de tudo. Sem jeito, olhou para as mulheres.

_ Mãe !

A senhora, ainda brava acenou a cabeça.

_Esposa!

Olhando à jovem que, de cara amarrada, confirmou.

Mais desnorteado de que antes, ele disse, choramingando:

_ Me ferrei!

_ Isso mesmo! E o Senhor é um idiota. Um médico idiota, que se deixou ser dopado por um paciente, que pensava ser doutor e lhe aplicou uma dose cavalar de sonífero!

Sem jeito, Malthus repetia:

_ Eu, médico! Mamãe! Esposa! Remédio! E eu... médico e idiota !