Perdidos & Achados
Lorenzzo caminhava a esmo entre os prédios do paço municipal, não conhecia bem a cidade e muito menos o paço. Faltavam alguns minutos para as oito e além dele não havia viva alma por ali.
Minutos depois o velho Agostino cruzou a praça e calmamente foi se dirigindo ao galpão verde onde trabalhava há mais trinta e cinco anos. Lorenzzo sentiu-se aliviado ao vê-lo, certamente aquele homem poderia ajudá-lo a encontrar o que procurava – pensou. Caminhou a passos largos até alcançar Agostino, timidamente se dirigiu a ele:
- Desculpe senhor, eu estou um tanto perdido e...
- Se está perdido encontrou a pessoa certa - interrompeu-o Agostino trazendo no rosto um sorriso maroto ao olhar por cima dos óculos de aro de metal. – Meu nome é Agostino – apresentou-se.
- Muito prazer seu Agostino, meu nome é Lorenzzo e estava justamente à sua procura, eu vim para começar a trabalhar....
- Finalmente! Já não era sem tempo. Faz três anos que quero me aposentar e ninguém aparece para me substituir - disse efusivamente, interrompendo o que Lorenzzo falava.
Os dois foram caminhando lado a lado até o galpão. Agostino não parava de matraquear, parecia conhecer o rapaz há muito tempo. Lorenzzo tinha vinte e poucos anos, era formado em biblioteconomia, passou no concurso público para o cargo, acertou as cem questões da prova. Por três anos a comissão da prefeitura encarregada de concursos fez de tudo para que ele desistisse da vaga, a qual estava “reservada” para um sobrinho do prefeito, mas a justiça determinou que Lorenzzo assumisse o cargo legitimamente conquistado. Agostino era apolítico e não tinha intenção de acatar as ordens do prefeito para dificultar o trabalho de seu sucessor, por isso, logo que entraram no galpão passou a explicar de que maneira seu substituto deveria conduzir os trabalhos para manter a tão comentada eficiência do serviço. Oposição e situação não tinham do que se queixar, o departamento administrado por Agostino há décadas só recebia elogios da população.
- É tudo bem fácil, só é necessário organização – explicava Agostino enquanto caminhava com Lorenzzo pelo galpão. – Essa é a papeleta que a pessoa tem que preencher quando vem procurar algo que perdeu. Essa outra, a azul, é para cadastrar objetos encontrados. Você tem estimular quem vem à procura de algo a preencher corretamente a papeleta, dando detalhes do que está procurando.
- Posso dar uma olhada nos objetos armazenados? – perguntou Lorenzzo?
- Claro! Vamos lá na parte de trás do galpão.
Agostino foi caminhando entre as estantes enquanto Lorenzzo o seguia. Pacientemente mostrava os objetos e conhecia a história de cada um deles:
- O que mais se encontra nessa cidade são guarda-chuvas, paletós, bolas e alguns outros brinquedos. Temos aqui até mesmo um par de muletas....
- Muletas! – admirou-se Lorenzzo. – Como alguém pode esquecer um par de muletas? Já sei devem ter achado no lixo. – arriscou-se num palpite.
- Não! Essas muletas são do Zé Alambique – retrucou Agostino ao mesmo tempo em que ria a valer. – Ele as usava lá na estação ferroviária para pedir esmolas, mas desde que os trens de passageiros deixaram de passar pela cidade ele abandonou as muletas. Agora ele é o ceguinho da rodoviária – contou gargalhando.
Os dois ouviram o tilintar da campainha. Um senhor de idade avançada acabava de chegar. Agostino o atendeu pacientemente e o ajudou a preencher a papeleta de coisas perdidas. Depois de ler atentamente o que o homem havia escrito, pediu para que Lorenzzo o ajudasse a encontrar uma solução para o problema.
- Por favor Lorenzzo, vá até o terceiro armário e apanhe um dos envelopes brancos, eles estão dentro da caixa.
Lorenzzo foi buscar o envelope e atendendo as instruções de Agostino o entregou diretamente ao velho senhor que o abriu imediatamente. O ambiente foi inundado por perfume de rosas, com alguma dificuldade o homem leu o que estava escrito no envelope, sorriu, agradeceu e partiu, parecia satisfeito. Logo que saiu, uma mulher escandalosamente vestida entrou no galpão, usava uma saia muito curta, inadequada para sua idade, estava também exageradamente maquiada. Agostino a atendeu respeitosamente, tal qual havia atendido o senhor que acabara de sair. Ele a orientou no preenchimento da papeleta, leu atentamente e mais uma vez solicitou que Lorenzzo fosse apanhar um envelope idêntico ao que havia entregue ao ancião. Da mesma forma, a mulher abriu o envelope e o perfume de rosas mais uma vez se fez sentir, ela leu o que estava escrito, agradeceu e partiu feliz.
O dia foi se passando, as pessoas entravam e Agostino as orientava no preenchimento da papeleta, invariavelmente pedia para Lorenzzo, que estava mais curioso do que nunca, apanhar um dos envelopes no terceiro armário. As pessoas entravam tristes à procura de coisas e saiam sempre satisfeitas.
Não se contendo, embora se sentido envergonhado, Lorenzzo quis saber o que estava escrito nas papeletas.
- Não se acanhe. Afinal você é quem vai tomar conta do departamento daqui em diante. Apanhe as papeletas de “perdidos” lá no espeto, vamos examinar juntos uma a uma – incentivou-o Agostino.
Lorenzzo aceitou prontamente a sugestão, tirou as pequenas papeletas que estavam fincadas no espeto e classificadas como atendidas, ordenou-as num maço, aleatoriamente pegou uma delas e leu o que estava escrito. Lembrava-se das fisionomias de algumas pessoas que vieram a procura de coisas :
Nome: Antonio Paixão.
Ocupação: Aposentado.
O que perdeu: A dignidade
Quando Perdeu: No momento em que me aposentei
Onde: Na fila do INSS
- Olhe seu Agostino, veja essa papeleta, eu me lembro desse homem, foi o primeiro a entrar de manhã, estava triste, depois que o senhor mandou que eu fosse buscar um daqueles envelopes, ele abriu, sorriu e parece ter saído satisfeito daqui.
- Pois é! Ele achou o que estava procurando. Mas vamos lá, pegue uma outra papeleta e leia em voz alta.
Nome: Maria Lucia
Ocupação: Meretriz
O que perdeu: O respeito
Quando Perdeu: Quando fui expulsa de casa
Onde: Na zona de meretrício
- Essa é aquela mulher de saia curta – lembrou-se Lorenzzo fazendo insinuações com o rosto.
- Eu sei, - interrompeu-o o senhor Agostino – o pessoal a chama de Maria da Zona, uma pobre coitada. Pegue outra papeleta – sugeriu.
Nome: Conde Maurício
Ocupação: Banqueiro
O que perdeu: O amor da minha família
Quando perdeu: Ao longo da vida
Onde: Na minha própria casa
- Fiquei com dó desse homem, - disse Lorenzzo ao colocar a papeleta sobre o balcão. – Tanto dinheiro e não tem o amor da família.
Agostino revelou a Lorenzzo o que estava se passando, que há alguns anos quase mais ninguém vinha à procura de guarda-chuvas, de bolsas, sacolas e paletós. Procuravam por amor, solidariedade, honra, respeito, enfim de coisas sem valor monetário, as mais difíceis de serem encontradas.
- Eu não tinha como atender a essas pessoas – confessou Agostino - por isso quando me contaram que um sábio havia chegado à cidade fui logo falar com ele. Seu nome é Efraim, não se pode precisar qual é a sua idade, tem a fala mansa, um ar tranqüilizador no rosto, inspira confiança. Quando lhe contei sobre minha dificuldade em atender as pessoas que vinham aqui no departamento de Perdidos & Achados ele assentiu com a cabeça e entregou-me uma caixa com envelopes. Claro que a princípio não lhe dei nenhum crédito, eu estava à procura de uma solução para coisas perdidas e ele me deu apenas envelopes que exalam perfume quando abertos, eu mesmo senti o perfume ao abrir um deles.
- Eu também senti o perfume seu Agostino, mas há uma coisa dentro do envelope que até agora não tive a oportunidade de descobrir. Só sei que as pessoas quando os abrem saem daqui sorridentes. O que contém esses envelopes que parece dar ânimo tanto a quem vem procurar por saúde, quanto a quem vem procurar por dinheiro, dignidade, amor ou emprego?
- É simples, Lorenzzo. Os envelopes contém uma das coisas mais importantes na vida do homem, algo que jamais o ser humano pode perder, a Esperança!