CATCHUP...LADEIRA ABAAAAIXOOOO...

Acabavam de se iniciar os idos de um mil novecentos e setenta, e ambos, eu e meu maninho tres anos mais novo, então desfrutávamos dos recentes presentes do "Papai Noel', junto às demais crianças da vizinhança.

Morávamos numa rua tranquila, dessas sem saída, quase uma vila fechada de poucos moradores, porém bem no final dum declive acentuado, aonde lá em baixo, nossa casa era a penúltima daquele lado da calçada.

Eu, embora também ainda brincasse de bonecas e de casinha, adorava todas as brincadeiras de menino, como mergulhar nas enormes enxurradas das chuvas de verão que desciam a rua com muita força, empinar pipas, jogar bolinhas de gude...subir nas placas de outdoor...

Mas , hoje também sei que influenciava o maninho, e o colocava em muita encrenca!

Não havia nada que eu pedisse que ele não fizesse, e na verdade até hoje é assim.

Até poderia titubear, mas acabava por ceder aos meus "planos" e caprichos!

E daquela vez, minha vontade era transformar a rua em pista de fórmula um.

Ele acabara de ganhar um "Jippe", de cor verde exército, daqueles que tinham pedal, e que andavam de verdade.

E meu plano era, naquele carrinho, descer a tal ladeira na maior velocidade possível, com ele no volante.

Lembro-me que foi difícil convencê-lo, mas um dia consegui.

Posicionamos o Jippe lá em cima da rua, e como não havia banco do carona, sentei no seu capô para descer a ladeira bem de frente, vedando a visão do motorista.

Mas esse pequeno detalhe, eu só percebi anos depois!

Posicionamo-nos e fui eu quem deu a ordem de largada, sob a platéia da criançada:

-Pronto, vamos!-agora já pode soltar o pedal!

Estiquei as pernas para me equilibrar, fechei os olhos...e lembro-me do vento no meu rosto.

Atingimos uma velocidade de descida enorme, mas lá pela metade do caminho percebi que o jippe iria virar, pois o maninho perdera a direção.

-Ai, socooorrooo!...isso vai tombar...

Não deu outra! Imediatamente antes do carrinho capotar, pulei do capô que descia em alta velocidade, e o maninho que estava sem camisa, arrastou o tórax no asfalto quente do sol, até o final do percurso!

Todos desceram para resgatá-lo.

Lembro que me desesperei, quando vi o estrago, aquele peito branquinho e gordinho, todo ralado como um queijo parmesão passado num ralador, misturado com catchup.

Corri para socorrê-lo, e ele só gritava:

-Ai, tá ardendo, tá ardendo!

Sinto remorso até hoje! Foi parar no pronto socorro!

-De quem foi a idéia?, arguiu nossa mãe.

Engoli seco e baixei a cabeça.

E lembro que meu bum bum, sob a fúria da mamãe, ardeu muito mais do que o "filé de peito em catchup" do maninho...

O Jippe virou sucata.

Nunca um presente resistiu tão pouco, às diversas peripécias e "planos"...da nossa infância.