Um Sonho Adolescente

Numa madrugada, vagando pelas redondezas de sua vila, um jovem entristecido, rumo a lugar nenhum em pensamento, tão pouco em seus passos, encontrara um morador de rua, no seu ver um ninguém que ele apenas fitou e por um breve momento lhe veio à mente a palavra “ignorar”.

Passando reto fingindo não ver o sujeito no chão, ouviu o homem lhe chamando como quem chama um gato doméstico, perdendo todo seu foco no que afligia em mente.

Pensara novamente em ignorar, mas com sua caminhada ao nada, voltou para ver o que o sujeito queria.

- Têm fogo, jovem? – Pedia o mendigo.

- Não fumo. – Respondera, calmamente.

- Uma pena. Nem Apolo acordaria antes para puxar seu carro e me dar o dia. Ou melhor, caro jovem, justo seria presenciar um de seus filhos, Faetonte, que para ter prova de que Apolo era seu pai, pediu o carro do sol para guiar. O coitado do Apolo, como prometeu não negou, e o pobre filho do deus do sol perdeu o controle e caiu da carruagem. Se isso se repetisse, amigo, ai sim teríamos fogo. Mas obrigado mesmo assim.

O jovem ficou espantado com o conhecimento do morador de rua. Nunca esperaria ouvir algo que lhe deixasse tão boquiaberto. Isso, pela criatividade que o mendigo mostrou ter.

- Você não é uma pessoa de rua qualquer. Como sabe tanto sobre mitologia? – Perguntou o garoto, abismado.

- Minha história é longa, amigão. Conto a ti se tiver tempo e se me contar o que te intriga tanto. Porque parece aflito?

- Ah! Acredito ser muito sonhador, senhor. O que me deixa confuso é por eu querer mudar o mundo, mas pensar em algo tão grande quando se temos tão pouco parece ser tão utópico... Parece ser impossível, entende?

- Sabe jovem – Interrompeu o garoto, refletindo por segundos, o mendigo começa falar – Uma boa parte da minha humilde vida eu queria muito mudar o mundo também.

- Na adolescência, suponho?

-Isso! Justamente na época em que eu estava dividido entre curtir com amigos ou me casar. Sente-se, vou lhe contar o que eu havia feito, não mordo não. – Dissera o sujeito ao chão, tentando não assustar o menino.

- Havia uma época em que eu era do tipo de jovem que gostava de curtir um bom rock n’ roll, drogas e muita mulher bonita. Do tipo oitentista, sabe?!... Daquele sem-rumo e sem juízo. E no decorrer desse tempo, as coisas iam de mal a pior.

- O que de mal a pior, no caso? – Perguntava o garoto, interessado.

- Do tipo que conseguia transtornar a mãe, irritar o pai, sem horário ou dia de voltar pra casa e sem ânimo de trabalhar. Só queria curtição. Até que um dia, conheci uma linda garota. Tão bela que me afastei da turma que eu convivia e no auge do amor por ela, eu decidi mudar o trajeto da minha vida e de uma vez por todas por meu sonho em prática... Que era mudar o mundo também. Deixei meus amigos, pais, me casei. Consegui um excelente emprego após concluir meu curso de letras e virei professor. Construí uma nova família e aos poucos, eu estava realizando tudo o que eu queria. Conseguia ter tempo para dedicar minha vida ao trabalho, a minha esposa e filha e ainda sobrava tempo para acompanhar e manter minha ONG, que ajudava moradores de rua.

- Puxa! – Disse o garoto, impressionado. – Mas...

- Calma lá, jovem. – Interrompeu novamente o mendigo – Como eu ia dizendo, curti muito a minha vida. Fiz o que queria mesmo. Mas como sempre, temos uma coisa em específico que se não realizamos ficamos insatisfeitos. É como se nossa missão não tivesse sido cumprida nesse tempo que temos vivendo. E começou por ai, vendo minha ONG se desfazer. Essa ONG era o meu primeiro passo para mudar o mundo, o primeiro piso para eu realizar meu sonho. E foi por água abaixo pela péssima vontade e corrupção das pessoas que faziam parte dela. Em seguida, minha esposa morre em um acidente de carro, me deixando na pior. Comecei beber, e já muito dependente deste vício, perco a guarda de minha filha. Sem rumo novamente, sem emprego, veio-me à nostalgia de minhas aventuras adolescentes, e fui visitar meus velhos amigos em minha antiga residência, e visitar meus pais, mesmo sabendo da possibilidade deles bater a porta na minha cara. Fui recebido bem por minha mãe, que já velhinha, ficara emocionada em me ver... E eu muito mais. Doía-me saber que meu pai acabara falecendo, e queixou-se por toda vida em ter brigado comigo, ele me amava. – Chorando, o mendigo recebe tapinhas no ombro de consolo do jovem, e prossegue – Passando alguns tempos com minha mãe, encontrei um de meus amigos de infância. Ele estava pior que eu na aparência. Já estava internado nas drogas pesadas desde a época em que ainda éramos jovens. Passeamos por alguns instantes e ele me contara o que ocorreu depois de minha saída. Toda nossa turma havia se desfeito. Amigos nossos que morreram por causa das drogas. Alguns com dívidas para traficantes, outros por uso freqüente de tóxicos. Alguns entraram para o crime e assaltavam, e realmente, esse amigo que eu conversava era um senão o único que restara.

- Nossa! Que horrível – Comentou o menino, surpreso com a história.

- Pois é amigo. E com o tempo, vivendo com minha mãe e com um péssimo emprego que eu consegui, ainda com o vício do álcool, fiquei naquela vizinhança até o fim dos dias de minha única família, uma velhinha que me deu esse mundo para mudar. Com a morte de minha mamãe, enlouqueci. Em uma depressão profunda, uni a meu velho amigo e estava junto com ele nas drogas novamente. Na casa de meus pais, virou local para consumo de crack. Já não tinha mais rumo novamente e muito menos... Juízo. Em minha casa já não haviam móveis, não havia mais nada que tivesse valor para virar droga. Apenas, “amigos” usuários de entorpecentes.

- Uma pena. Sinto muito por você. Ainda assim, não conseguiu realizar seu sonho? – Perguntou o menino ao mendigo.

- Ai que vem o assunto. Quando eu e meu único amigo que eu encontrara já adulto estávamos na mesma melancolia pela droga que usamos, ele fitou-me tão atentamente e disse com um tom de revolta: “Você queria mudar o mundo? Você reclamava de começar das coisas pequenas? Do pouco que tem nessa vila em que nasceu? Talvez se começasse ficando aqui, na sua casa, no seu lar com seus amigos, você conseguiria mudá-lo sim. Você evitaria seus amigos serem usuários, evitaria conhecer sua esposa e ela poderia até estar viva. Evitaria ter uma filha que, perdendo a guarda não tem nem mais direito de vê-la. Evitaria ser dependente de um vício e colocar um rumo decente até mesmo nos seus companheiros de juventude. E acha que isso é pouco? Acha que isso não é mudar o mundo? Infelizmente, não sabemos nosso trajeto, não é? E ainda ficamos insatisfeitos por não ter realizado nosso sonho apenas pela cobiça de grandeza. Pois é meu brother, você errou na busca por esse sonho, infelizmente”. Aquilo me abriu os olhos, meu jovem. Tudo que ele dissera era verdade. Naquele momento conclui: Tive pressa por mudar o mundo, mas pouco dei valor a quem devia, pois só preocupei comigo mesmo. Apenas com minha vida.

- Nossa. Incrível! – Comentava o garoto levantando-se.

- Pois é meu jovem. Isso que lhe intrigava, apenas lembre-se: Você pode mudar o mundo sim, mas sozinho nunca. Sozinho, você é egoísta por querer mudá-lo... Pois você precisa das pessoas que você ama para mudá-lo, e elas precisam de você.

Menos aflito, o garoto despediu-se do pobre homem, ainda espantado com sua história, e prosseguiu para sua residência, com uma lição. Sorrindo, deixou de lado seu egoísmo e admirou-se até com seu primeiro passo em seu sonho, que foi ouvir o desabafo de um “ninguém” para sociedade, como pensara. Feliz, compreendeu profundamente que para se ter muito, começaria do pouco, e que seu sonho não seria impossível de realizar deste modo, não seria nada utópico... Seria o correto.

Hugo Cesar