O DESPERTAR DE VERA

Ao se olhar no espelho naquela fria manhã, Vera não se reconheceu. Os cabelos fartos e castanhos tinham dado lugar a duas têmporas grisalhas. Os lábios carnudos, outrora em linha ascendente, há muito já não sorriam. Tinha os olhos impassíveis, como se o tempo tivesse parado para que ela avaliasse a sua história.

Como pudera acumular em seu coração tanta dor e desesperança!?, a vida não deve ser só isso, não pode ser só isso. No fundo ainda pulsavam sonhos não realizados, e agora com muito mais força, já que a idade chegara e cronologicamente falando o seu tempo para realizações já não era tão longo assim. Logo agora, na chamada terceira idade, quando, segundo dizem, é chegada a calmaria dos sentimentos, ela se sentia mais ansiosa e assustada. Após o divórcio de um casamento de quase trinta anos, com dois filhos casados e aposentada, tinha sua vida e liberdade nas mãos, mas não sabia o que fazer com elas...

E tudo passou naquele espelho e naquela manhã como num filme, um filme sem final feliz. Um filme em que ela seguiu fielmente o “script” que lhe escreveram. Como Vera gostaria de ter mudado esse roteiro, de ter escrito a própria história... Provavelmente agora estaria diante do mesmo espelho tentando consertar algum erro cometido, mas não com a sensação de uma vida transcorrida e não vivida.

Mas chegara a hora de enfrentar o mundo tomando decisões, em vez de sucumbir à própria solidão. A oportunidade que ela tanto ansiara. Não dava para eximir-se. Não havia mais tempo. Tinha consciência de que os desafios assustam e não são fáceis. Mas que importância teria a vida sem emoções para viver ou segredos para desvendar? Essa experiência ela teve e não lhe agradava. E sem obstáculos a transpor, não existe o sabor da vitória. Isso é viver.

Era chegada a hora. De peito aberto, enfrentaria a vida traçando seu próprio caminho.

Essa oportunidade Vera se daria.