Menino de rua


Caminhava pelas ruas sozinho contando pedrinhas da calçada, sem rumo ou destino. 
As pessoas desviavam apressadas e fingiam não perceber sua existência. 
Era um fantasma, um ninguém,  sujo e indesejável. 

Carregava nos ombros o peso da vida triste, sentia-se muito mais velho que os  dezesseis anos. 
Tinha mulher e um filho mas não era apegado a nada, talvez se sua vida houvesse sido diferente ele ainda preservasse algum sentimento e não sentisse um vazio tão grande. 

 
Um dia havia tido família, pai, mãe e irmãos.  Saíram de muito longe, um lugar cujo nome não lembrava. Só sabia que ficava no Norte. 
O sol castigava sem piedade e todos morriam de fome e sede. 
O pai decidiu tentar a vida na cidade grande. 

A primeira vez que viu os prédios altos e avenidas sentiu medo e agarrou a mão da mãe bem forte. Os olhos arregalados para  multidão caminhando pela Avenida Paulista ao meio-dia.

 Esbarrões e atropelos, a cabeça foi ficando pesada e zonza. Precisou ser amparado para não desmaiar.
O pão e café repartido em pequenas porções enfraqueceram o menino. Quase oito dias de viagem, e não encontraram o endereço do irmão e compradre.
A favela era grande demais e tinha tantos nordestinos que  era apenas mais um Severino perdido nas vielas e becos.


O guarda expulsou a família da porta da igreja e dos bancos da Praça. 
Não tinham dinheiro, apenas algumas bolachas para alimentar 5 crianças. Uma delas muito doente e precisando de cuidados. 

No hospital internaram a mais novinha. 
Fraca e desnutrida. Dois anos e peso de dez meses, não andava nem falava.
As enfermeiras ficaram com raiva dos pais mas eles não tinham culpa. 
O único alimento da criança era o peito materno quase seco.  A mãe tão magra e faminta quanto os filhos.

O lugar de onde vinham não tinha televisão ou água encanada,  nem vacina ou doutores.
 Porque eram chamados de ignorantes se viviam excluídos do resto do mundo?  

Eram ignorados, inexistentes sem certidão de nascimento. Excluídos.

Seres humanos com a barriga cheia de vermes.  Maltrapilhos e calados, sempre de cabeça baixa. Envergonhados da pobreza em que viviam.

João sentindo pena dos pais e querendo aliviar o fardo deixou-se ficar para trás e tomou outro caminho. Andou pelas ruas, comeu sobras, apanhou dos meninos mais velhos e acabou em uma  Instituição para meninos de rua. 

Cinco anos depois era outro menino. Havia assimilado a maldade, os vícios, o sexo e a brutalidade. Não conseguiu aprender nada nos livros, mas sabia tudo sobre o mundo em que vivia.  

Ano após ano esperou que os pais aparecessem reclamando sua presença sentida. A cada Natal perdia a doçura e esperança. O coração do menino fechou-se para a alegria.

Aos quinze anos fugiu com outros infratores, tinham contatos prontos para ajudar no que fosse preciso. 
A vida bandida sempre recebia de braços abertos meninos dispostos a tudo para sobreviver.
O menino humilde há muito não existia. Em seu lugar havia nascido o ‘’Do Norte’’.

Pistoleiro, pontaria certeira, orgulhava-se de sua origem e dizia-se bisneto de cangaceiro matador. Criou sua lenda e nela escondia o passado. Matava por qualquer motivo. Não tinha medo de nada. 
Na faca ou tiro era sinônimo de serviço bem feito. 

Não tinha escrúpulos, matava homem, mulher ou criança sem piedade. Começou a incomodar a região e os  ‘’justiceiros’’ da favela.

 Morreu cedo como todos que entram nesta vida  errante, aos dezoito anos  foi enterrado como indigente. 

 

 

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 04/04/2008
Reeditado em 31/10/2008
Código do texto: T931040
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