NANOSEGUNDO
O rádio tocava “eu sei que eu sou.... bonita e gostosa.... eu sei que você... me olha e me quer...” e ela dançava, pulava, parecia uma Frenética, até que esbarrou numa das mesinhas da sala de sua avó e seus olhos viram, em câmera lenta, um raro exemplar de vaso, da Dinastia Ming, se espatifar em incontáveis caquinhos, que depois se espalharam pelo piso de mármore italiano. Parou como quem brinca de estátua, travada, vendo o gato da família, ainda assustado, se achegar para cheirar um dos cacos. O gato sentou e depois de olhar para ela, começou a se lamber, totalmente alheio à merda que acabara de acontecer. Após alguns segundos, resolveu dar um leve tapa num caquinho côncavo que passou a rodopiar pelo mármore liso, sendo prontamente perseguido. Um espetáculo de pulos, saltos acrobáticos e sons cerâmicos. Ela continuava ali, paralisada. Tinha acabado de jogar sua parte da herança no lixo. Os sonhos que acabara de sonhar ao olhar para o vaso, antes da fatídica vontade de dançar, foram para o lixo também. Três eram os irmãos, três eram os vasos. A menos que desse cabo de um de seus irmãos, quem tinha ficado sem vaso era ela, mesmo que o gato inocente fosse condenado. Coisa que não seria nada simples, pois ela era a única que estava em casa e o gato nestes últimos dez anos sempre perambulou pela sala. A vida é assim mesmo, tudo é capaz de mudar, radicalmente, em um simples nanosegundo. Sonhos desmoronam, oportunidades se esvaem, sortes se definem. Cavalos selados passam e você não tem tempo para pensar. Ou reage e pula, ou assiste. E a propósito disso tudo, veio-lhe à mente uma frase de famoso financista americano, constantemente citado pelo avô, cujo nome nunca lembrava: “sorte é quando a preparação encontra a oportunidade...”e emendou com sua filosofia de adolescente: “para o bem ou para o mal...”. Desligou o rádio, foi buscar a vassoura e limpou a área. Tomou um banho, vestiu a melhor roupa e foi assistir o pôr do sol...