O NOME DA PRAÇA
Sentado no banco da praça, ele divagava do alto dos seus 72 anos: "O nome da praça é seu, mas o prêmio, ficou para mim!"
Tinha 8 anos, quando a mãe lhe dá a bomba: "Você vai ter um irmãozinho!"
"Eu?!...", conseguira balbuciar. Desde este dia, sua vida mudara.
A mãe passou uma gravidez de vômitos, repouso absoluto e sopas feitas pela avó. O que mais se ouvia era: "Não faz barulho, senão sua mãe acorda". Andava na ponta dos pés, com medo de que algo pudesse acontecer a ela. Vez por outra, enfiava o nariz na porta do quarto, para dar uma espiada. A mãe vivia pálida, embora continuasse linda!
Alguns ameaços de aborto, com sangramento, quase levam o irmão pro beleléu! Comprimidos cor de rosa e azuis eram tomados a todo instante. Um dia chegou a pensar que o médico dava os rosa, para o caso de ser uma menina e os azuis se fosse um menino.
Veio o dia do parto. Dona Rosinha, a parteira, chegou cedo. Antes de ir ver a mãe, encheu o pandulho de broas de fubá, biscoito de polvilho e puro leite. Fumou um cigarro de palha fedido, não sem antes tomar umas cinco xícaras daquele café cheiroso, que só a avó fazia.
Depois foi para o quarto, ver a mãe. Era um tal de ferver água e passar lençol branco, como nunca havia visto. O Almoço veio da casa da Dona Branca: Frango, arroz, feijão, vagem, batata frita e farofa.
A mãe gritava baixinho, de vez em quando e a avó sussurrava: "Não fique assustado, é assim mesmo! Ainda falta um pouco para ver o neném!"
À tarde, cochilara estressado, mas acordou com o choro forte do neném. "Nasceu!", pensou.
Levaram uns cinco dias, para descobrir que o rebento comia e vomitava, perdendo peso, virando um sagüizinho. O pai determinou que ele e avó iriam levar o pequerrucho à Capital, ver um doutor de peso. Ele nunca fora à Capital e imaginou se o doutor usava suspensório, pois os gordos nunca conseguiam segurar a calça na barriga.
No dia seguinte, nova bomba: "O médico vai operar, pois o esôfago é estreito, por isto vomita!" A Avó ficara, mas tia Tereza tirara licença na Prefeitura, para ficar cuidando da casa. Ela era tão bonita. Adorava espiá-la tomando banho, olhando pela bandeira da porta, subindo no espaldar da cadeira.
Dez dias depois, o "fiotinho" volta. Tinha um puxa de um curativo na barriga, que precisava por mercúrio e trocar a gaze todos os dias.
Tirando a Tia Tereza, ninguém nem lembrava dele. Só ela, que adorava dar um beijo na testa dele.
Passado o susto, o bebê cresceu. Ficou gordo, era a atração da casa e todos se desmanchavam, numa pena enorme, pela cicatriz feia, que ficara. Ele deitava e rolava...
O mano velho nada de ter vez, amor. De vez em quando um elogio magro. Se entristecia com isto. Uma vez chegara a ter raiva do protegido: "Que merda, só ele?"
Ele conseguia tudo, fazia o que queria e nem era castigado quando amarrava o buscapé, no rabo do gato.
Na escola era o mais paparicado, mas não fazia as lições, deixando tudo para o mais velho, que no fundo, também tinha dó do "cicatriz".
Foram crescendo e o mais velho foi fazer direito, enquanto o "tadinho", resolveu fazer o magistério e logo se candidatou a presidente da Associação dos Professores. Daí a ser vereador e depois prefeito, foi um pulo.
No meio da gestão, uma sacada brilhante: construir um "Ginásio de Esportes". Poria o nome do pai, a esta altura agonizando de câncer. Contratou o arquiteto, arquitetou o superfaturamento, foi pra Capital e "favas contadas": A promessa do Governador, em troca do apoio à reeleição.
A Obra corria muito bem, quando o Otávio, um vereador corcunda, feio à beça, descobriu o golpe. Pediu uma Comissão para investigar. E corre, que corre, para segurar as pontas. Só faltava o Tonico, vereador sério, irmão da esposa, do advogado, o irmão do prefeito. Estava irredutível: "Vai pra cadeia! Cadeia pro safado!" Mil argumentos e nada...
À noite, véspera da assembléia de decisão da cassação, o advogado, a esta altura promotor, vê o Tonico saindo da casa da Antônia, mulher rica, mas de fama mais rica ainda.
Não deu outra: na Assembléia o Otávio teve 5 votos e a turma do Prefeito 6 votos, incluindo o Tonico, que recebera uma ligação familiar, mas um tanto intimidativa.
No dia da inauguração do Ginásio, a cidade estava linda, com faixas de papel crepom azuis, vermelhas e brancas, espalhadas pela praça, na porta da Igreja e cercando todo o Ginásio, que cabia umas mil pessoas, apesar da verba comportar duas mil.
O Prefeito estava tão radiante, que nem viu o capanga do Governador derrotado sacar de uma carabina doze e atirar na sua direção. Mas o anjo da guarda, o irmão promotor, percebera tudo e se jogara em cima do prefeito, levando a descarga no pé esquerdo, que moeu-o.
Levado às pressas ao hospital, teve o pé amputado e ao fim de um ano, tinha uma prótese dentro de uma bota linda, que ninguém nem suspeitava ser um pé falso. Só os amigos mais chegados sabiam.
Com o acidente, a situação se inverteu: o safado virara protetor, se regenerou e passou a ser um cidadão do povo, caridoso, fundador do Asilo Santa Terezinha e de tantas obras sociais, que deram-lhe, ao morrer aos 56 anos de câncer como o pai, o nome da praça principal.
Sentado no banco da praça, o promotor aposentado, casado com a esposa do irmão falecido, afaga a bota de bom couro, que camuflava a prótese e pensa: "A praça é sua, mas a Matilde sempre gostou mesmo, foi de mim. Lamento!"
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Marcio Funghi de Salles Barbosa
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