Paulete Tralalá.

Paulete, viadinho tralalá.

Ainda não voltei ao normal. Estou com a cabeça zonza, o cérebro oco, o olhar meio parado, a respiração como se pela metade, a alma tonta, melancólica... E até a garganta arde muito... É fim de lua cheia e estou azedo, definitivamente azedo, nem açúcar mascavo me adoça (chavão safado este).

Ganhei um esmalte lindo, escarlate, de uma amiga; amigona de longa data, com quem já dividi alguns homens. Ah, falando nisso, lembrei o mote da crônica de hoje. Acho que vai dar para construir pelo menos esta. Mas, só volto a publicar novamente segunda-feira.

Vou começar me apresentando: eu sou Paulo, nasci em Maristela, tenho dezoito anos e pretendo, ano que vem, voltar a escola para concluir o Ensino fundamental; então, entro no supletivo. Minha mãe é jambo/sarará de cabelo tipo pimentinha e meu pai, pelo meu tipo, deve ser negão mesmo. Digo ‘deve ser negão’ porque não o conheço. E, a bem da verdade, acho que nem minha mãe sabe quem ele é. Passava a noite fazendo programa no Posto, chapada, transando com caminhoneiro de tudo quanto é tipo. Até hoje é assim; e por saber bem como funciona este mundão da sacanagem, nunca a pressionei, nunca perguntei. Eu sei que ela não sabe e por isso nem toco no assunto.

Sou o tipo viadinho coco-cola (ah, não preciso falar que sou negrinho, saúvinha...). Não gosto de me montar: vestir-me como mulher. Prefiro usar calças justas, blusinhas coladas, curtinhas, que modelam o corpo. Também faço ponto no Posto de Maristela juntamente com duas travestis, minha mãe e mais duas putas velhas em fim de carreira; de quanto em quando aparecem umas mariconas de Rietê que vem atrapalhar nosso trabalho, estragar nosso negócio ‘fazendo’ de graça nossos clientes. Pooode?! Botamo-nas para correr.

Você não sabe o que é viado coca-cola? É o tipo de viado que ‘tá na cara’, ou seja, como se andasse com um luminoso na testa: eu sou gay. Mas, não é um traveco. Algumas mariconas do meio usam outro adjetivo: bichinha tralalá; que é o tipo de viado que não estuda, não trabalha, não apresenta nenhuma perspectiva de futuro decente, uma espécie de estorvo à sociedade putamente casta.

Desde ontem ando meio cabisbaixo. Pois, bem, ontem a tarde fui à São Paulo espairecer, arejar os neurônios. TPM de mona quando ataca, ataca de verdade.

Fui à rodoviária de Laranjal, comprei a passagem e embarquei na Vale do Rietê. Lá no fundão sentei-me, aliás, deitei-me. Ocupei as duas poltronas e, sutilmente, arrebitei a bunda. Quem chegasse, antes de me ver, via minha bundinha redonda e carnuda apontando ao teto do ônibus.

Tudo normal até Rietê, Cerquilho (policiais em corredor polonês na entrada do Batalhão cujo prédio, de pobre, cai aos pedaços), Boituva; e alí embarcou um bombeiro, sentou-se também no fundo, na poltrona ao lado.

De cara percebi que jogava sobre mim olhares lascivos. Fingi-me de morto(a) e somente na Castelo, passei a retribuir os gestos libidinosos, ávidos de desejo. Olhava e fingia não ver, virava-me de um lado para outro, amolecia o corpo inteiro, contorcia-me inteiro feito serpente no cio, metia o dedo entre os dentes e lançava olhar fulminante; desviava novamente o olhar, caras e bocas; e assim por diante.

Então, ele não parava de abrir e fechar as pernas, arrumar a mala a crescer, e se avolumar dentro da sunguinha vermelha que todo bombeiro usa.

Escutei um barulhinho de zíper se abrindo lentamente, liguei as antenas, hesitei... Olhei e... Gente!!! Nem vou dar detalhes... Tenho certeza que o Recanto me tiraria do ar. Mas, só para não deixar passar totalmente em branco: uma bela e estonteante obra de arte da caprichosa natureza inum dia de inspiração plena! Fiquei passada!

Suportei até o limite do humano e, então, pulei na poltrona ao lado dele e lá fiquei no bem bom. Nossaaa! ganhei repentina felicidade e quem me visse, diria que nunca fui triste na vida. Leite e mel! Porém, como dizia vovó: urubu quando azarado, o de baixo caga o de cima.

Lentamente foi parando, parando, até estacionar no acostamento, o ônibus. O bombeirão, precavido, dizia pare (eu confundia tudo e me crescia a avidez) até que arrancou-se-me puxando pelos cabelos da nuca; guardou, e me mandou voltar a minha poltrona. Coloquei a língua no céu da boca, dei um estalinha de ‘delícia, que pena’, com o polegar e o indicador limpei os cantos da boca e tristonho, obedeci.

O motorista veio direto em mim e ordenou que eu pegasse minha bolsinha minúscula e o acompanhasse. Olhei no bombeiro e este, imediatamente, jogou o olhar lá no meio da Castelo e, se tivesse falado, teria dito ‘nada tenho a ver com isso, nem me olhe’.

Ele (o motorista) na frente e eu atrás no corredor do buzão. Por fim, se sentou ao volante e me ordenou:

-Desce!

Nem adiantou eu dizer mil vezes que ‘por que? eu não fiz nada, vou reclamar na empresa’.

-Desce!

Desci. Fiquei plantado à beira da Castelo, indignado. No mínimo, àquela maricona bola-rodadeira, me vira ‘fazendo’ o mangueirudo e ensandecera de inveja ou ciúme! Mas logo passou tudo ou quase tudo. Parou um carrão e me deu carona. Contei tudo ao meu benfeitor, lhe prometi favores sexuais quentíssimos se...

Quando ultrapassamos o bola-roda, botei a cabeça para fora até que ele me reconhecesse. Reconheceu. Prendi a ponta do indicador ao meio do polegar, fiz uma rodinha bem redonda e lhe mostrei. Respondeu com forte buzina. Arrematei com uma bela banana e... Chinelamos!