Isabela, a Bela
Estava uma noite quente, com um magnífico luar batendo em minha mesa de trabalho. Achava-me no escritório de minha casa, onde, no computador, procurava colocar em dia mais um fechamento de mês. Depois de algumas horas percebi que havia um erro de dois centavos. Erros desse tipo eram normais e eu sempre os encontrava após uma dedicada revisão. O que estava me aborrecendo era a necessidade de concluir esse fechamento e a hora que corria. Naquela noite passaria na televisão um filme que esperára o mês inteiro para assistir e faltavam poucos minutos. Se largasse tudo e fosse ver o filme, certamente ficaria cansado e não teria como finalizar as contas. Por outro lado se me dedicasse às contas não veria como deveria o filme, embora a TV ficasse diante de meus olhos, seria humanamente impossível, pelo menos para mim, prestar atenção às duas coisas ao mesmo tempo.
Lembrei-me que Catarina chegaria na noite seguinte e teria que pegá-la na rodoviária. Iríamos tratar de um assunto delicado, depois de quase vinte e tantos anos de casamento: o nosso divórcio. Sentia certo amargor por ver terminar uma união que sempre pensara ser perfeita. Mas, de dois anos para cá, não sei bem porque, ela foi se tornando estranha, depois indiferente e finalmente insuportável. Conversara com minha mulher sobre nosso casamento. Estava num ponto em que, se não nos separássemos já, passaríamos de uma boa amizade para um ambiente de hostilidade, e isso não seria saudável. Nossos filhos já estavam crescidos, um entrando para a faculdade e outra praticamente formada. Não éramos ricos, logo, nossas disponibilidades materiais não nos causariam problema na divisão de bens. Amo meus filhos, minha casa e minha cidade, mas sentia que era um momento único em que tinha que abandonar tudo e recomeçar do zero, embora já tivesse passado dos quarenta e o mercado de trabalho, com certeza não ira acolher-me de braços abertos. Talvez pudesse arranjar algo fora do país, mas a simples sensação de ter que mudar todo o meu “modus vivendi” e ainda por cima num país estranho, dava-me certa dor no estômago. Sempre sentia isso, desde criança, quando ficava ansioso e agora a dor estava se avolumando dentro de minha barriga de maneira notória.
Finalmente optei por terminar o trabalho e deixar o filme para uma outra oportunidade. Essa não faltaria com certeza. Estava praticamente despedindo-me da minha função, por onde ficara por quase dois anos. Desliguei o computador e alisei meus livros e papéis, como se os abraçasse pela última vez. Seria duro, eu sabia disso, mas que mais poderia fazer? Sempre tive uma vida regrada, sem muitas saídas noturnas ou diurnas mesmo, a não ser quando o trabalho me enviava. Não saia dessa cadeira há quase dez anos, sem férias, sem festejar natal ou ano novo. Catarina sempre levava os filhos para a casa da avó em S.Paulo e lá passava as férias escolares e todos os feriados possíveis. No início ainda era convidado, mas depois de algum tempo achei melhor ficar por aqui mesmo. Com isso acabava passando as festas, feriados e aniversário sempre só. Acho que estava até acostumado e não fosse algo que ocorrera na minha vida, talvez nunca tivesse notado esse detalhe.
Como dizia, um homem como eu, dedicado ao trabalho e à família, que não vai a lugar nenhum, já quase chegando aos quarenta e muitos, que raramente vai a um cinema ou teatro, porém, tem um computador, não deixa de ter um pouco do mundo dentro de casa. Sempre gostei de corresponder-me com os amigos de infância, e nesse vai e vem de e-mails, onde sempre surgem novos integrantes, apareceu-me, como por milagre, uma pessoa que passei a prezar e a ouvir. Ela entrou na minha correspondência como um furacão, (muito dela isso, diga-se de passagem) escandalizada com a mensagem em que mostrava um bêbado, assumidamente sem nenhuma higiene, em situação jocosa.
Pedia desculpas – recebia os meus mails através de um amigo meu- mas não conseguira se conter com tamanha imundice, segundo suas palavras. A princípio achei interessante o comentário e indaguei quem era. Durante meses, ela fez o jogo de gato e rato, ora dando a entender que era mulher, ora que era homem. A brincadeira ainda durou algum tempo, até que perguntei ao meu amigo quem era aquele ou aquela (pelo endereço) e ele disse-me tratar-se de sua mãe. Daí em diante fortalecemos uma grande amizade, mesmo virtual, onde a webcan me mostrava uma mulher interessante, inteligente e com muito senso de humor. Sou um homem alto, mais os músculos nunca apareceram nos meus 1.87, talvez devido as minhas caminhadas noturnas. Não sou chegado à bebida, mas fumo desbragadamente, e apesar de comer bem, desde os quinze anos não consigo ultrapassar meus 60 kilos. Tive vários apelidos na minha infância e juventude, devido ao corpo esguio e poucos kilos, mas nunca me incomodei com isso, até conhecer Isabela, naturalmente. Bela, esse é seu apelido. A mulher que sem sentir mudou minha vida de ponta cabeça. Começou brincando que eu era um homem bonito e como era possível que nunca mulher nenhuma de minha terra notara. Achava graça, mas não deixava de ficar satisfeito. Puxa! Nunca ninguém me falara assim! Quando, com o passar dos meses ficamos mais amigos, incentivou-me a escrever (ela é escritora) uma das coisas que sempre quis fazer e não conseguia, pois meu português não era lá essas coisas. Ainda assim, tomei coragem e escrevi um conto, que ela não cansou de elogiar. Senti que era sincera, isso ela sempre foi, diga-se de passagem, se ficava sem responder seus e-mails, podia contar que no próximo vinha um xingamento daqueles, e a frase célebre: “não me procure mais”. Mas, acabávamos fazendo as pazes, tudo via mails, pois não consigo, por índole, brigar com ninguém. Bom, com isso fui criando coragem e a inspiração vinda de minhas andadas, me animavam, fazendo com que a profusão de contos jorrasse como água. Mas, quanto mais eu me empolgava com minha nova amiga, em casa, as coisas iam de mal a pior. Catarina ficara rabugenta, reclamando de tudo que me dizia respeito e para não ter que discutir até altas horas da madrugada, resolvi começar a dormir no sofá da sala. Creio que aí começou a ruptura total de nossa união. Quando um homem ou uma mulher abandona sua cama de casal, dificilmente o casamento tem volta. Já na outra ponta, Bela insuflava meu ego, cada dia mais, enviando-me versos com dizeres picantes que falava terem sido inspirados em mim. Numa noite exatamente igual a essa, senti finalmente que estávamos apaixonados. Eu por sua inteligência, pelas histórias de suas viagens, (provavelmente tem algumas posses pelo tanto que viaja) e pelo futuro nesse mesmo teor que me proporcionaria quando saísse nosso livro. Ah, esqueci de dizer que seríamos sócios, como ela gostava de mencionar, escrevendo um livro a quatro mãos. Mas, senti que minha amiga apaixonara¬-se mesmo por mim. Ela é separada e vive para os filhos e netos, mas dentro de seu coração uma porta abriu-se para me acolher. No princípio fiquei vaidoso, mas, depois de pensar um pouco vi que não daria certo alimentar esse amor. Éramos diferentes, em tudo, em situação social, principalmente, nunca pude retribuir os presentes que vez ou outra me enviava. Não estava a altura dela, também, intelectualmente. Bela era mulher viajada, estudara na Europa, conhecia quase o mundo inteiro, e eu? Conhecia no máximo três ou quatro estados do Brasil, na maioria das vezes nem conseguia acompanhar tudo o que ela dizia pela falta de estudos e de preparo. Resolvi que não mais me corresponderia com ela. Quando me dei conta dessa decisão me senti infeliz, muito mesmo. Era como se olhasse o chocolate arrumado na vitrine, com o vidro entre nós. Andei por horas por entre as árvores de minha linda cidade. Sentei-me no banco que ficava bem no meio da pequena mata. Acendi um cigarro. A brisa suave me acariciava e por mais que quisesse me concentrar no presente, meu pensamento viajava para longe, para o sorriso alegre e os olhos negros dela que pareciam penetrar no meu íntimo tentando adivinhar o não dito. Pensei em seus versos, “Quando se ama como te amo, com o corpo a ferver a um simples gesto teu...”.. “na boca entreaberta de lábios molhados, para melhor te sorver...”
Senti um arrepio gostoso percorrer meu corpo. Catarina estava fora com as crianças. Senti uma vontade incontrolável de sexo. Mas, como, com quem? Foi então que me lembrei da Mansão de Pedra que tantos falavam. Voltei em casa, peguei meu carro e segui na direção da mansão. Ficava bem distante da minha rua, ainda bem, e para lá rumei cheio daquela vontade de transgredir que nos assalta vez por outra.
Cheguei, e entreguei a chave do meu carro ao uniformizado manobreiro que sem muita vontade entrou no meu gol 96 para estacioná-lo. Um porteiro alto e forte, também uniformizado abriu-me a porta de madeira e vidro toda trabalhada, para que entrasse.
Sempre me considerei pobre, e sempre o fui, pois o que ganho mal dá para viver. Nunca pude me dar ao luxo de extravagâncias. O dinheiro ganho no início do mês precisa ser esticado e passado á ferro para chegar ao dia 30, mas, mesmo assim nunca consegui esse feito. Pois bem, ao entrar no salão principal da mansão, senti pela primeira vez o que era vida de luxo e riqueza. Era enorme, com vários sofás e uma decoração primorosa. Paredes com réplicas de quadros famosos, cortinas de veludos, vários enfeites de prata maciça, tapetes com certeza persas e mulheres, ah! mulheres, diria jovens, algumas bem jovens, universitárias talvez, todas bem penteadas e maquiadas com suas vestes compridas, no mais puro estilo noite de gala. Tinha de todos os tipos. Brancas, louras e morenas, negras lindas, orientais e os rapazes com quem conversavam também bem apessoados e ricos, bastava ver a coleção de maseratis, porches e outros importados estacionados na entrada. Voltei a sentir aquela pontada na boca do estomago, mas fui em frente. Sentei-me no bar e pedi, para o armário duplo que me olhava incrédulo, uma coca-cola, com gelo e limão, cortado bem fininho. Uma moça risonha entregou-me o cardápio que abri curioso após mais uma baforada de meu cigarro barato. Era a primeira vez que entrava numa dessas casas. Nem a menos custosa havia visitado em toda minha vida, logo, a surpresa ao ver o cardápio que pensava ser de minutas, mas que na verdade era de posições e predileções sexuais, quase me fez engasgar. Entretanto, continuei minha odisséia, tentando achar tudo natural, como se já estivesse acostumado a tanto luxo e quem sabe freqüentado outras mansões desse estilo. As posições vinham numeradas, especificadas e com uma bela foto colorida ao lado do preço, para que não houvesse dúvidas nem queixas dos clientes estrangeiros que ali os havia em quantidade. Eram caríssimas e uma então, bastante interessante, talvez me fizesse vender a casa para conseguir pagar –“Oito reais” – falou a voz grossa do barman. Como disse? Voltei-me ainda absorto pelas fotos – “a coca-cola” - Ah sim! Tirei uma nota de dez, par das únicas notas que tinha no bolso e deixei em cima do balcão. “Pode ficar com o trôco” disse já chorando minhas duas pratas. Apaguei o cigarro no cinzeiro irrepreensivelmente limpo e vagarosamente dirigi-me a porta de saída. Peguei meu carro, acenando agradecido para o manobreiro já que não tinha mais trocado e voltei para casa. Minha vontade de sexo, no bom português, meu tesão, havia desaparecido por completo. Coloquei meu pijama e tratei de deitar, pois no dia seguinte o mesmo trabalho entediante me esperava. E sabe do que mais, pensei, continuaria a me comunicar com minha amiga, afinal, nunca lhe dera esperanças e ela sabia disso. No fundo, no fundo um alimentava o ego do outro e esse papo só nos fazia bem. Bela, Bela, será que um dia irei conhecê-la? Tocá-la? Cheirar esse corpo que diz ser tão perfumado....Deixar que me banhes, massageie e sorvas meu ser com sua boca molhada, entreaberta? Fechei os olhos, virei para o lado e dormi.