QUARESMEIRA
Casa de quarto e cozinha comprada na periferia da cidade. Caíra como uma luva ao jovem casal recém formado.
Ela simples porém jeitosa, esbelta, rosto perfeito, beleza marcante, puro charme. Conquistava ao primeiro olhar, irradiava simpatia, difícil escapar a sua meiguice. Nome combinando... Violeta.
Acácio era atlético, físico avantajado, chegava a assustar aos que o conheciam pouco. No fundo era boa pessoa, homem cismado, custava se abrir. Vivia melancólico.
Casados de novo, haviam desde o namoro economizado cada tostão na intenção de comprar sua morada e curtirem tranqüilamente a vida a dois. Teriam a felicidade eterna...
A nova morada não era o que se possa chamar de palácio, apenas o que as posses haviam permitido. Pequeno jardim à frente realçava a pintura nova de cores vibrantes. A casa tinha um quê de sua dona, simples porém cativante.
Do lado direito morava Dona Concha, espanhola, viúva, servia de enfermeira, parteira, conselheira, alcoviteira, companhia e alento a qualquer um que a procurasse ou ela soubesse precisar. Rara a semana que Dona Concha não visitasse o jovem casal, sempre com um mimo para Violeta e com a recomendação expressa de que tudo deveria ser repartido com seu homem. Bolo de cenoura com cobertura de chocolate, doce de cidra, rabanadas ou uma toalhinha de crochet que, com certeza, ficaria linda na mesinha da sala e assim por diante...
Do lado esquerdo morava seu Raimundo, nordestino também viúvo que tinha por distração nos últimos tempos cuidar do jovem casal e teimar com Dona Concha por quem parecia nutrir sincera antipatia. Homem vivido, a tudo dava jeito, conserto de ferro de passar roupa, torneira vazando, pintura de parede, tudo fazia com capricho. Seu forte, entretanto, era lidar com a terra e o jardim de Violeta e Acácio era testemunha disso, vicejava como nenhum outro nas redondezas. Margaridas, amores-perfeitos, avencas e uma delicada quaresmeira eram o orgulho do dedicado jardineiro.
Tudo corria de normal a contos de fada. Mas... A casa em frente...Do outro lado da rua. Lá morava a velha Guilhermina, mulher rabugenta, olhar sempre desconfiado e agourento. Vivia praguejando contra tudo e contra todos, era realmente desagradável. Contrastava de maneira impressionante com a neta com quem vivia.
Elisa, saída a pouco da adolescência, exibia um corpo exuberante, mal coberto pelas sumaríssimas peças de roupa que tinha por hábito usar. Loira, olhos verdes, sorriso franco sempre presente em um rosto fascinante. A menina deixava Violeta em alerta e Acácio encabulado, mas arriscando sempre um olhar dissimulado.
Lisinha, como era tratada maliciosamente pela vizinhança, também freqüentava a casa do jardim com quaresmeira. Ora sobre o pretexto de tomar por empréstimo uma xícara de açúcar, ora para pedir a opinião de Violeta sobre uma de suas novas maquiagens ou de seus novos e audaciosos shortinhos.
Enfim, iam tornando-se bastante amigas, íntimas mesmo. Violeta sempre tímida, recatada. Lisinha irreverente, audaciosa dentro de sua gostosíssima juventude.
Dona Concha não aprovava tais liberdades, amiudara muito suas conversas com o casal e, após a morte súbita de Dona Guilhermina, avó de Lisinha, esquivava-se de encontros com a “sirigaita”, como resmungava de si para si com ares de censura e rejeição. Seu Raimundo achava um disparate a jovem Violeta, senhora casada de respeito, com tantos dengos com moça tão libertinosa como Lisinha. Já não cuidava tão bem das plantas do jardim, até a quaresmeira ressentia-se do abandono do amigo e da dona.
A despeito dos comentários, Lisinha não largava mais Violeta, até dormir na casa já se habituara. Corria de boca em boca que nessas ocasiões Acácio dormia no sofá ou fazia serão no serviço. As más línguas não medem palavras. A verdade é que ambas formavam um belo par e Acácio, bem, Acácio continuava encabulado arriscando de quando em quando um dissimulado olhar para Lisinha. Dedicava-se agora mais à quaresmeira.