DONA ODETE

Já está mais do que provado que “quem sai na chuva tem que se molhar”, mas as pessoas às vezes se esquecem disso ou pensam que podem passar entre os pingos. Foi o caso de Dona Odete.

Sua distração era tomar conta da vida alheia, e, como toda fofoqueira que se preza, ela não deixava de passar adiante suas descobertas, mas antes suplicava:

– Filó, minha santa, vou te contar um segredo porque confio em você, mas, pelo amor de Deus, que fique entre nós... Sabe a mulher do Seu Euclides, aquela bem-feitinha de corpo, que tem cara de santa? Uma cínica, isso sim é o que ela é. O pobre do marido trabalhando e a sem-vergonha andando com o açougueiro! Esse mundo tá mesmo perdido... Sem te falar da irmã do Arnaldo!

– O que tem a irmã do Arnaldo? – pergunta a ouvinte, assombrada com tantas descobertas.

– Tá grávida, minha filha! Quem diria, né? Também, sendo criada solta como foi, não podia ser diferente. É o que te digo, Filó, o exemplo é tudo. A pobrezinha com uma mãe perdida, e um irmão como o Arnaldo, que como você sabe não é flor que se cheire...

Filó já estava assustada, e pensava caladinha e com o coração apertado: “Meu Deus, ela sabe de tudo, será que já descobriu que eu fui pra cama com o Seu Bezerra quando a mulher dele foi pra Minas? Afinal de contas eu sou viúva, mas a mulher dele é escandalosa, se descobre eu tô perdida!”

Mas Dona Odete continuava pesquisando a vida dos vizinhos. Cada nova descoberta era uma realização. Por isso ela quis ser costureira, sabia das novidades sem sair de casa. Cada freguesa respondia, sem querer, a um interrogatório, de maneira bem sutil, é claro.

– Você parece tão feliz no casamento!

– Nem tanto...

– Também, os homens hoje não podem ver rabo de saia.

– Mas o meu problema é outro.

– Pior que mulher na rua? Ah! Não acredito!

E daí por diante.

Até que um dia Dona Odete começou a achar muito estranho o fato de o bebê da Maria do Socorro, a vizinha de frente, ter nascido de olhos verdes, afinal, dizia ela, “a Maria do Socorro tem olhos castanhos, e o Zé, marido dela, também. Então o filho deve ser de outro”. E o negócio agora era pesquisar a vida da vizinha para ter certeza. E Dona Odete se lançou de corpo e alma em busca da verdade.

Finalmente, depois de algumas perguntas e muitas observações na vida de Socorro, Dona Odete tirou sua conclusão: “o filho é do Silvério, só pode ser. Ele freqüentava muito a casa do Zé, deu até um presente caro pro neném quando ele nasceu! E como se não bastasse, tem olhos verdes!”.

Mas um homem bom como o Zé não podia continuar enganado, ela tinha que fazer alguma coisa, e fez. Contou para o pobre homem, depois de louvar todo o seu respeito por ele, todas as suas descobertas. O homem ficou indignado, mesmo que não fosse verdade, seu amor-próprio estava ferido. Não podia suportar a idéia de que alguém olhasse para ele com pena, como um homem traído. Afinal, ele sempre exigiu respeito em seu lar, e agora não iria cair na boca do povo “como um chifrudo”, pensou, enfurecido, “é preciso dar um corretivo nessa fofoqueira abelhuda!”.

– Dona Odete, a senhora vai ter que provar o que disse, isso é que vai! Vou dar parte da senhora na polícia por danos morais, sua fofoqueira de meia tigela!

A mulher perdeu as forças, nada a fazia tremer mais do que a polícia.

– Mas... é assim que o senhor me agradece por lhe abrir os olhos?

– Abrir os olhos? O que a senhora quer é desmoralizar os outros, mas esta foi a última vez, entendeu?

E o pacato Zé desfechou-lhe uma bofetada que a mulherzinha viu estrelas. Assim que pôde respirar saiu correndo, enquanto o homem falava:

– Isso foi só amostra, ai da senhora se abrir a boca de novo, entendeu? Ai da senhora!

E a partir daquele dia Dona Odete perdeu a voz, não se sabe se foi trauma ou conveniência, mas, para tranqüilidade de Dona Filó e outras, Dona Odete ficou muda.