A Moça da Banca de Jornal
Todo domingo eu vou até a banca da esquina para comprar o jornal de meu pai. Todo domingo uma coisa única na banca me chama mais a atenção do que qualquer outra. Todo dia eu imagino como é por dentro a bela moça daquela humilde banca de jornal.
Ela deve ter uns vinte anos aproximadamente, pele branca, cabelos escuros e olhos castanhos. Não tem um corpo de modelo de revista. Nada de peitos e bundas ao extremo, mas é de uma delicadeza suprema. Cativou-me com seu jeito de sorrir sempre, olhando sempre nos olhos ao falar, conversando simpaticamente com qualquer um que venha iniciar conversa.
Sendo tão jovem ela deve freqüentar alguma faculdade, talvez o trabalho na banca seja um "quebra galho". Talvez um de muitos. Ela parece uma pessoa firme e decidida, nunca a vi faltar ao trabalho. Uma vez a vi atendendo o celular e conversando com algum amigo, namorado ou parente que estava, por algum motivo desconhecido por mim, com raiva. Sempre calma, ela foi paciente, ouviu atentamente os berros da pessoa da outra linha e disse com sussurros sutis:
- Terminou? Tudo bem, agora respire fundo e procure ficar calmo... Sim, a culpa foi minha, me desculpe... Desculpe-me novamente por que agora estou trabalhando e não posso ficar muito tempo no celular. Mais tarde conversamos... Certo, tchau.
Passei a admirá-la a partir daquele momento. Nunca vi uma pessoa tão cativante e sob total controle da situação. Parecia-me impossível não gostar dela. Mas tinha medo de sequer iniciar uma conversa.
Nem ao menos conhecendo ela direito eu já estou aqui, quase apaixonado. Que será que aconteceria se eu a conhecesse melhor? Talvez ela tenha namorado, quem sabe até noivo! Eu poderia me apaixonar demais por ela inutilmente.
Por instantes esqueci que estou noivo. Seguro o cordão com a inicial de minha noiva com força e penso nela, mas a primeira coisa que penso é que talvez eu tenha errado. Precipitei-me em pedir noivado e ela em aceitar. Afinal eu tenho ainda vinte e cinco anos, ela tem três anos a menos que eu. Estávamos juntos a mais de cinco anos...
Estávamos? No que eu estou pensando? Ainda estamos juntos! Estou me deixando levar demais por essa moça cujo nome nem conheço. Posso não ter muitas virtudes, mas sou muito fiel. Também preciso compreender que essa é apenas mais uma paixonite ridícula que está passando por minha vida; isso não demora a passar. Só preciso parar de comprar jornais...
Não é a primeira vez que isso acontece, já conheci muitas outras "moças de bancas de jornal" pela minha vida afora. Uma vez me senti repentinamente atraído por uma garçonete ruiva de um restaurante barato. Ela dava vida ao restaurante, só a presença dela já fazia com que o local tivesse um ar mais confortável. O que mais me chamava a atenção na garçonete eram seus lábios vermelhos e grossos. Creio que freqüentei aquele restaurante por mais de um mês, só por causa dela, até que o restaurante fechou de repente.
Assim sem mais nem menos ela sumiu de minha vida. Como muitas outras sumiram. Como muitas outras ainda sumirão. Sempre me lembrarei do que mais me marcou na moça da banca de jornal, seus cabelos negros e longos como uma noite sem estrelas.