sobre sangue e tempo
O sangue corria lenta e pastosamente, espalhando-se no chão, correndo dos pulsos cortados sobre as unhas pintadas de vermelho, mesclando os tons. Tentou segurar a navalha com a mão direita, não teve força, sabia que tinha cortado os tendões. Com a mão esquerda limpou a navalha no lenço bordado no qual guardava a navalha.
Olhou a volta. As cortinas finas, o chão me mármore branco, os moveis antigos. Tinha escolhido um belo lugar para dar fim a vida. Perguntou-se porque estava demorando tanto. O corte fora profundo o suficiente para dilacerar os tendões, porque ainda não tinha acabado? Decidiu por fim que não estava demorando e que sua percepção de tempo estaria comprometida.
Começou a sentir frio. Esta começando, pensou. Havia agora uma poça de sangue vermelho e brilhante em volta de seu corpo. A empregada ficaria horrorizada quando visse a cena. Porque estava se preocupando? Não teria de dar explicações a ninguém, muito menos a uma empregada em pânico pela quantia de sangue. Não precisaria dar explicações ao imprestável do chefe, ou a cretina da dona do apartamento. Não teria de se curvar a vontade de nenhuma megera dona da verdade, ou responder sim senhor a algum imbecil num terno caro.
O frio aumentou. Mas o tempo ainda parecia transcorrer demasiado devagar. Talvez fosse natural, não poderia dizer, nunca havia morrido antes. Dizia que se via um filme de sua vida, bom, pensou com um sorriso debochado, um cineminha iria bem para passar o tempo agora, mas não tinha nenhuma recordação de infância diante dos olhos, nenhuma grande paixão a ser revivida, apenas o apartamento ricamente decorado que alugara por uma semana. Bom, desocuparia antes do prazo.
Aos poucos foi ficando mais difícil de respirar. As imagens parecia pouco nítidas, e sem notar perdeu a consciência. A poça de sangue aumentou um pouco ainda, mas antes que aquele minuto tivesse terminado morreu. E estava certa, a empregada ficou horrorizada quatro horas mais tarde quando entrou no quanto e viu o corpo deitado em uma poça de sangue e a navalha brilhando aos primeiros raios de sol que passavam pelas cortinas.