Sem título.

Ele ficava de canto observando as coisas acontecerem.

Por estes dias, ele acordou com gritos na sala. Uma briga que já vem de anos, sempre pelo mesmo motivo desnecessário. Anos falando, acusando e se enganando: "meretriz é ela"; "esta é do meu coração, é uma santa!".

As pessoas sabem articular suas vontades em outras um tanto mais ingênuas - talvez por causa da idade. Quem é transparente de verdade sofre as acusações; por mais que faça por todos, todos lhe atiram pedras.

O que tem agora se o Carlos recomeçou sua vida de maneira menos adeqüada? Isso não dá o direito a ninguém, nem mesmo sua mãe, Joaquina, de continuar com a mesma ladainha durante tantos anos. Se as situações fossem diferentes, mas não, os dois estão com pessoas novas e de mesmo calão.

(...)Então, Marta liga fingindo um desespero patético para a outra de saúde mais frágil, para desabafar e contar as mesma mentiras sobre Carlos; a de saúde frágil acredita e aumenta o ritmo das acusações, dos gritos das tantas mentiras. O rapaz, exausto por tantos anos, explode e ameaça. Sai da casa deixando um rastro de indignação e ódio. Gritando aos quatro ventos que a "bala vai comer". Uma desgraça prestes a acontecer e Joaquina, pousando de juíza sem diploma, dizendo que não, que ele não terá coragem.

Ninguém viu, só o parente mais distante, observador e soturno; aquele que tem a visão de fora da situação, que sabe o que acontece na realidade.

As lágrimas de uma mãe enganada, as gargalhadas de uma mulher ambiciosa, a revolta de um filho injustiçado e os olhares astutos do tal parente observador.

Ele ficava de canto observando as coisas acontecerem.